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Sem pluralismo político não há democracia!

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Em seu livro Poliarquia: participação e oposição (2005), o cientista político norte-americano Robert A. Dahl (1915-2014) definiu a democracia como um regime político em que uma de suas características consiste em ser inteiramente ou quase inteiramente responsiva aos seus cidadãos, considerados como politicamente iguais. Para o efeito, os cidadãos devem gozar de oportunidades plenas para formular e expressar as suas preferências aos seus concidadãos e ao governo, de maneira individual ou colectiva, sem qualquer discriminação. Isto pressupõe o direito de os cidadãos votarem e serem eleitos, bem como o gozo da liberdade de formar e aderir a organizações, e o direito de os líderes políticos disputarem livremente por apoio e votos.

O Estado angolano, entrementes, desde a sua génese suprimiu o pluralismo político ao promulgar a sua primeira Lei Constitucional que estatuía em seu artigo 2.˚ que: “Toda a soberania reside no Povo Angolano. Ao M.P.L.A., seu legítimo representante, constituído por uma larga frente em que se integram todas as forças patrióticas empenhadas na luta anti-imperialista, cabe a direcção política, económica e social da Nação.” Assim, a ausência formal e material de pluralismo político no período de 1975 a 1991 contribuiu para o surgimento de indivíduos incapazes de conviverem de maneira sadia com a diferença político-partidária, de serem dotados de uma visão multifocal e de lutarem pela cidadania em detrimento do partidarismo.

A despeito do advento formal do pluralismo político com a promulgação da Lei Constitucional n.º 12/91, de 6 de Maio, o pesado legado da monofocal visão partidarizada continua incrustrado na mentalidade de inúmeros indivíduos, consolidado nos meios de comunicação social públicos, cristalizado no ordenamento jurídico e manifesto nos órgãos de soberania e nas demais instituições da administração pública do Estado angolano. A selectividade e manipulação das informações nos media públicos angolanos, bem como as barreiras impostas à criação de partidos políticos da oposição e a candidaturas de adversários com forte potencial de conquistar a vitória eleitoral são alguns exemplos de supressão do pluralismo político decorrente, em certa medida, do legado da monofocal visão partidarizada que alguns indivíduos e agentes públicos insistem em não renunciar para o bem da nação.

Esta monofocal visão partidarizada tem, por um lado, mantido o país em um medieval obscurantismo, em que a maioria dos cidadãos encontra-se soçobrada em uma inaceitável e repugnante miséria. Por outro lado, tem arremessado o país para um selecto grupo de Estados que afastam os seus opositores mediante instituições e instrumentos autoritários, tal como a Rússia, Nicarágua e Uganda, por exemplo. Na Rússia, o principal opositor do governo Russo, Alexei Navalny, foi condenado à prisão em 2014 e impedido de concorrer às eleições em 2017. Em 2019, a maior parte dos candidatos à prefeitura apoiados por ele foram impedidos de concorrer às eleições. Em 2020, foi vítima de um atentado por envenenamento, mas sobreviveu. Na Nicarágua, Daniel Ortega ordenou a prisão de quase todos os opositores e foi reeleito com mais de 75% dos votos. No Uganda, as redes sociais deixaram de funcionar durante o período eleitoral, em Janeiro de 2021, e milícias digitais ligadas ao governo difundiam informações falsas a partir de perfis falsos. O governo ordenou o encerramento dos canais dos opositores no Youtube, colocou as forças de segurança nas ruas e executou dezenas de manifestantes da oposição.

Os Estados acima mencionados são exemplos que não devem ser seguidos pelos governantes angolanos. Suprimir o pluralismo político é fomentar e postergar conflitos. A supressão do pluralismo político mediante a exclusão de candidatos com grande aprovação aumenta a insatisfação popular, podendo se constituir em factor de instabilidade política. É imperativo realçar que o pluralismo político é fundamento do Estado Democrático de Direito (Artigo 2.˚, n.˚1, da CRA/2010). Logo, sem pluralismo político não há democracia. Governos autoritários, entretanto, procuram mecanismos cada vez mais sofisticados, sobretudo fazendo uso dos tribunais e revisão do ordenamento jurídico, para excluir os opositores e assegurarem a sua própria logenvidade no poder.

Suprimir o pluralismo político é aniquilar a criatividade geradora de desenvolvimento social. A supressão do pluralismo político açambarca o direito de grande parcela dos cidadãos expressarem as suas preferências e sequestra a oportunidade de os cidadãos experimentarem novas formas de gestão que estejam mais de acordo com o bem comum, o que deve ser assegurado mediante alternância política em eleições livres, justas, transparentes e periódicas.

O pluralismo político pressupõe o igual direito de acesso e uso dos meios de comunicação social aos concorrentes aos cargos públicos, bem como o tratamento imparcial pelas instituições do Estado, sobretudo dos tribunais e das forças de segurança. Pressupõe, outrossim, a inexistência de milícias digitais encarregadas de ostracizar e “assassinar o carácter” dos adversários políticos. Os indivíduos dotados de visão monofocal partidarizada, perpetradores de tais práticas, não apenas criam entraves para o emergir da democracia, mas também se tornam vítimas do próprio regime autoritário que ajudam a erigir. Trata-se de indivíduos desprovidos de plena capacidade e coerência argumentativa e interpretativa da realidade social e/ou se revelam indiferentes a ela. Sobrepujam os princípios básicos da democracia e do bem social em nome de mesquinhos interesses individuais.

   

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