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João Lourenço ‘fala demais’ e deixa escapar a ideia de subalternização do Tribunal de Contas à figura do titular do Poder Executivo

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Continua a gerar polémica e a dar o que falar as declarações do Presidente João Lourenço, na cerimónia de posse do novo juiz-conselheiro presidente do Tribunal de Contas (TdC), Sebastião Gunza, ocorrida na segunda-feira, 19, durante a qual do titular do poder executivo se ouviu, alto e bom som, uma ‘orientação explícita’ à forma como aquele devia actuar perante as acções do governo.

“Vejam em que situações é que o visto do Tribunal de Contas deve ser um visto prévio. Mas, haverá, com certeza, casos em que, se calhar, não haverá necessidade do visto ser prévio. Ele deve ser emitido na mesma, mas acredito que nem todas as situações haverá necessidade do visto ser prévio”, comentou João Lourenço, durante a cerimónia de posse, naquilo que pareceu tratar-se uma ‘orientação’ ao agora juiz Sebastião Gunza.

O princípio da separação de poderes determina que não deva existir uma relação de subalternização entre os poderes executivo e judicial e vice-versa, nem mesmo em relação ao poder legislativo perante os dois primeiros.

Ao dar ‘palpites’ sobre como um tribunal superior deve olhar para as acções do governo, João Lourenço sinalizou uma relação de subalternização da figura do juiz-presidente à sua qualidade de chefe do executivo, já que as suas declarações incidiram sobre a forma como aquele tribunal deve dar tratamento às questões governamentais.

A ideia de interferência na actuação do Tribunal de Contas torna-se ainda mais evidente quando, sobre os vistos prévios, João Lourenço faz juízo de valores sobre como gostava de ver a imagem reputacional daquele órgão de soberania na esfera pública, colando a imagem de maior prestígio da corte superior ao sucesso dos projectos do seu governo em execução.

“Nós não gostaríamos de ver o Tribunal de Contas a aparecer perante a opinião pública como um factor de estrangulamento neste nosso ritmo de execução de projectos, particularmente em infra-estruturas”, salientou, justificando o comentário sobre a necessidades de, de quando em vez, ter os vistos prévios do TdC numa fase a posterior àquela que tem sido até aqui habitual.

“[Estamos] numa prova de esforço em que tem de haver capacidade para acompanharmos a velocidade do tapete”, referiu o chefe do governo.

Do ponto de vista constitucional, o TdC é um dos tribunais superiores, a par do Tribunal Supremo e do Tribunal Constitucional, que tem como competência o controlo dos gastos públicos e a colaboração para o aperfeiçoamento da Administração Pública em benefício da sociedade e no controlo externo dos Órgãos da Administração Pública e da execução do Orçamento Geral do Estado (OGE).

O TdC tem como uma das suas principais tarefas a fiscalização da legalidade dos actos de gestão financeira e administrativa do Estado e demais instituições públicas e privadas, de forma a assegurar a adequada aplicação dos recursos públicos em benefício do cidadão angolano.

Em reacção às declarações do Presidente João Lourenço à Voz da América (VOA), o jurista António Kangombe, que advertiu para eventuais consequências políticas, disse entender que o titular do poder executivo pretendeu exteriorizar algo como: “Deixem-me trabalhar e [não] devo obediência a nenhum formalismo”.

Um outro jurista, ouvido pela VOA, foi Vicente Pongolola, que vê nas declarações de João Lourenço uma tentativa de retirar ao Tribunal de Contas “a importância que tem a fiscalização preventiva aos contratos de empreitadas”.

“A mensagem que ele passa [sobre os vistos prévios] é que é uma atribuição do Tribunal de Contas, mas que isso pode ser, de alguma forma, não ser cumprido e que não há problema nenhum”, referiu Vicente Pongolola, acreditando ter-se tratado de um “um discurso orientador que vai condicionar a actividade” daquele tribunal.

João Lourenço afirmou, durante a cerimónia de tomada de posse do juiz-conselheiro presidente Sebastião Gunza, que o seu governo está a “um bom ritmo na construção de infra-estruturas e pensa acelerar ainda mais”, por isso, espera que o TdC tenha maior capacidade para acompanhar o ritmo de trabalho do seu executivo, ‘abrindo mão’, se for o caso, de alguns procedimentos, como é o caso dos vistos prévios.

Além de Sebastião Domingos Gunza, que passou à reforma enquanto comissário chefe da Polícia Nacional nesse mesmo dia, tomaram posse como juízes-conselheiros do Tribunal de Contas Sebastião Jorge Diogo Bessa, Manuel da Cruz Neto, Armindo Gideão Kunjiquisse Jelembi e Januário José Domingos.

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