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Ordem dos Advogados de Angola vai requerer ao Tribunal Constitucional a Fiscalização Abstracta Sucessiva das normas constantes na Lei da Greve

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A Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados de Angola (OAA) — que esteve a acompanhar em todo o território nacional o desdobramento da 2.ª fase da greve geral interpolada, convocada pelas centrais sindicais — instou o órgão de tutela a proceder, junto do Tribunal Constitucional (TC), à requisição da ‘Fiscalização Abstracta Sucessiva’ das normas constantes da Lei da Greve em vigor, por esta se mostrar em desacordo com a Constituição e com as convenções internacionais subscritas por Angola.

O direito de requerer a ‘Fiscalização Abstracta Sucessiva’ de uma determinada norma legal é um mecanismo ao qual se faz recurso quando uma ou mais normas são inconstitucionais — uma prerrogativa que a Constituição da República de Angola (CRA), nos termos do artigo 230.º, reservada exclusivamente ao Presidente da República, a um décimo dos deputados à Assembleia Nacional em efectividade de funções, ao procurador-geral da República, ao provedor de Justiça e à Ordem dos Advogados de Angola.

A decisão de recorrer a este mecanismo constitucional faz parte das recomendações constantes do ‘Relatório da monitorização da greve’, que decorreu de 22 a 30 de Abril, período durante o qual a Comissão de Direitos Humanos entende terem ocorrido vários atropelos e situações que colocaram em causa direitos fundamentais, como o direito à greve, que “não deve ser restringido de maneira arbitrária”.

“A medida de substituição dos médicos grevistas por colegas expatriados configura, igualmente, uma medida de constrangimento ao movimento grevista e impede que o mesmo alcance os seus objectivos”

O relatório da Comissão de Direitos Humanos da OAA defende, por exemplo, que é imperativo que se separe a decisão da marcação de faltas do procedimento de desconto salarial aos grevistas, uma vez que a Lei n.° 23/91, de 15 de Junho (Lei da Greve), estabelece, no seu artigo 21.°, a faculdade de as entidades patronais procederem ao desconto durante os dias de greve, uma vez que fica suspensa a relação jurídico-laboral.

“Embora a lei acima referida estabeleça tal faculdade, o exercício do direito à greve deve ser compreendido no quadro da justiça social e da ampla protecção da liberdade sindical enquanto direito fundamental”, observa a OAA, fazendo uma leitura mais extensiva da lei:

“Isso implica dizer que, no contexto de Angola, sendo os baixos salários e a precariedade do poder de compra uma das principais reclamações dos cidadãos sindicalizados e grevistas, os descontos salariais configuram uma medida excepcional, uma vez que, entre os seus efeitos, observámos o desencorajamento do movimento grevista, a desmobilização sindical e o enfraquecimento da pressão social, que constitui uma ferramenta essencial para o alcance das soluções reivindicadas”.

“Do ponto de vista histórico, a referida Lei não está em conformidade com a Constituição da República de 2010 e os Instrumentos Jurídicos Internacionais do Trabalho e dos Direitos Humanos ratificados pelo Estado angolano”

O órgão, que defende “a interpretação correctiva do artigo 21.º da Lei da Greve, de modo a efectivar o princípio da tutela efectiva de direitos consagrados no artigo 29.º da CRA”, é de opinião que se proceda igualmente à revisão do actual instrumento legal, “porquanto, do ponto de vista histórico, a referida Lei não está em conformidade com a Constituição da República de 2010 e os Instrumentos Jurídicos Internacionais do Trabalho e dos Direitos Humanos ratificados pelo Estado angolano”.

“A medida de substituição dos médicos grevistas por colegas expatriados configura, igualmente, uma medida de constrangimento ao movimento grevista e impede que o mesmo alcance os seus objectivos. Neste sentido, o Departamento Ministerial em causa constrangeu o exercício de direitos por meio de uma medida injusta, na qual se nota a sobreposição de autoridade ao direito, resultando no exercício abusivo desta autoridade, desequilibrando a relação com os sindicalistas e deturpando a finalidade da greve”, fundamenta o relatório.

O relatório da Comissão de Direitos Humanos da OAA recorre ainda à Resolução da Assembleia Nacional n.° 26-B/91, de 27 de Dezembro, que aprova a ratificação da Convenção Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais — instrumento que “determina aos Estados-membros a atribuição de uma remuneração que proporcione o mínimo a todos os trabalhadores, [e] que [os Estados] não permitam a adopção de medidas legislativas que restrinjam a liberdade sindical, a protecção do direito sindical e as garantias dos trabalhadores”.

Diante das interpretações ao actual instrumento legal, o organismo da OAA insta igualmente a Assembleia Nacional, o Presidente da República, as centrais sindicais, os trabalhadores e a sociedade civil a unirem-se na elaboração de uma nova Lei da Greve mais justa e que respeite os princípios estruturantes do Estado democrático e de direito.

Um último apelo é dirigido ao Presidente da República, enquanto Titular do Poder Executivo, no sentido de promover negociações com as centrais sindicais, de modo a serem resolvidos os pendentes apresentados no Caderno Reivindicativo.

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