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Sonangol diz na Holanda que Angola de JES era um “Estado de ladrões” e que Manuel Vicente era a ‘pedra angular’ do enriquecimento da família Dos Santos

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“Um regime cleptocrático”, ou seja, um estado governado por ladrões. É assim que a Sonangol definiu e sustentou, junto do Tribunal da Câmara de Comércio dos Países Baixos (Holanda), a sua defesa diante do diferendo que a opõe à Exem Energy, da empresária e ex-presidente do seu Conselho de Administração Isabel dos Santos, no ‘caso Esperaza’.

Numa ‘Declaração de defesa e reconhecimento da Sonangol’, assinada por Sebastião Pai Querido Gaspar Martins, datada de Agosto de 2020, e a cujo conteúdo o !STO É NOTÍCIA teve acesso, a estatal angolana faz um enquadramento contextual do tipo de regime político durante o qual foram aprovadas deliberações que permitiriam a divisão de lucros entre a Sonangol e a empresa de Isabel dos Santos, a Exem Energy.

“A título de contexto, a transacção Esperaza ocorreu durante o antigo regime cleptocrático angolano, numa altura em que Angola era reconhecida como um dos países mais corruptos do mundo. A usufrutuária da Exem, Isabel dos Santos, é um símbolo proeminente da antiga cleptocracia angolana, e o signatário da Sonangol, Manuel Vicente, era um associado de longa data e confidente próximo da família Dos Santos”, começa por dizer a petrolífera angolana.

A Esperaza é uma holding de direito holandês, à data dos factos, controlada a 60% pela petrolífera Sonangol e em 40% pela Exem Energy, detida a 100% por Isabel dos Santos e o seu falecido marido, Sindika Dokolo.

O pomo da discórdia entre a Sonangol e a Exem Energy remonta ao mês de Novembro de 2017, quando o Presidente João Lourenço decidiu demitir Isabel dos Santos do cargo de presidente do Conselho de Administração da Sonangol.

A petrolífera estatal reclama que, no período que antecedeu a saída de Isabel dos Santos, “sobretudo imediatamente após a sua demissão do cargo” de presidente do Conselho de Administração, esta teria realizado “uma série de operações” com a ajuda do que chamou de “facilitadores” — pessoal da mais alta confiança da empresária — para “extrair mais de 130 milhões de dólares da Sonangol e 52,6 milhões de euros da Esperaza”.

Na resposta ao Tribunal dos Países Baixos, a petrolífera estatal angolana desdobra-se em explicações aturadas sobre a natureza do regime liderado pelo ex-Presidente da República José Eduardo dos Santos, no sentido de convencer o juiz da causa sobre a influência política exercida sobre o mais importante activo da economia do país.

“O regime anterior de Angola era uma notória cleptocracia”, escreve a Sonangol no documento, salientando que, “apesar do fluxo de biliões de dólares em riquezas de diamantes e petróleo, a maior parte da população não saiu da pobreza”.

A petrolífera angolana chega inclusive a recorrer a dados sobre a pobreza do Banco Mundial (BM), que demonstram que “a proporção de angolanos vivendo com menos de USD 1,90 por dia quase não mudou durante o boom do petróleo e dos diamantes em Angola”, e que “a proporção da sua população vivendo com menos de USD 5,50 por dia, na verdade, aumentou durante a Presidência de José Eduardo dos Santos”.

“Grande parte da razão pela qual a considerável riqueza de recursos de Angola não melhorou as condições económicas da sua população deve-se ao desfalque sistemático de propriedade do Estado por um pequeno grupo da elite dirigente da época”, acusa a Sonangol, ressaltando que, em relação a tal facto, a Exem Energy, na sua ‘Declaração de Reivindicação’, não contestou.

“Dos beneficiários da antiga cleptocracia de Angola, Isabel dos Santos, filha do ex-Presidente de Angola, é provavelmente a mais proeminente. Outro beneficiário de destaque é Manuel Vicente”, afirma a Sonangol nos argumentos apresentados na corte holandesa.

A petrolífera estatal — que apresenta Manuel Vicente como o confidente próximo da família Dos Santos, que chegou a ser criado pela irmã mais velha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos — assinala ainda que, “em 2006, o seu antigo PCA assinou um SPA [Share Purchase Agreement – Contrato de Aquisição de Acções] e um MOU [Memorandum of Understanding – Memorando de Entendimento] em nome da Sonangol, transferindo, em termos equivalentes a um presente, um activo muito valioso para uma empresa de fachada, propriedade de Isabel dos Santos e Sindika Dokolo”.

A petrolífera angolana, que cita o livro do docente universitário e investigador da Oxford Ricardo Soares de Oliveira (‘Magnífica e Miserável – Angola desde a Guerra Civil’), atesta que, durante o seu mandato como presidente da Sonangol, Manuel Vicente foi fundamental para a capacidade da família Dos Santos de influenciar a Sonangol.

“Conforme explicado por Ricardo Soares de Oliveira, professor de Política Internacional de África na Universidade de Oxford, o Presidente José Eduardo dos Santos “percebeu que a Sonangol deveria ser isolada e obrigada a reportar apenas à Presidência […] garantindo um notável grau de discricionariedade do poder [político] sobre mais de 80% da receita do governo.”

“Tomou o controlo do fluxo de receita do petróleo”, ele “criou um estado paralelo centrado na presidência e na opaca, mas capaz empresa nacional de petróleo do país, a Sonangol”, lê-se no documento que a petrolífera levou a juízo.

Em parte, foi assim, com base nesses argumentos da estatal angolana, que o Tribunal da Câmara de Negócios da Holanda decidiu anular as deliberações tomadas pela Sonangol, numa altura em que Isabel dos Santos ainda era PCA da petrolífera, considerando as actas das reuniões que decidiram a divisão dos lucros da Esperaza Holding entre a Sinangol e a Exem Energy como falsas.

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