Isto É Notícia

Rede de burlões do MPLA transforma CAP 24 num ‘escudo’ para justificar exploração comercial de imóvel usurpado por um dos ‘golpistas’

Partilhar conteúdo

Novos dados das investigações à rede de burlões, constituída por militantes do MPLA em Luanda, revelam que a instalação do Comité de Acção do Partido (CAP) n.º 24 em um imóvel usurpado há quase uma década, no município da Ingombota, tem servido, afinal, de ‘escudo’ para ocultar e justificar a sua exploração comercial por parte de uma empresa pertencente a um dos mentores da ‘trama golpista’.

A rede de burlões, que decidiu instalar uma estrutura de base do MPLA no referido imóvel, tudo para camuflar o verdadeiro propósito do golpe, montou, em 2016, um esquema audacioso que tinha nos símbolos do partido no poder uma garantia de ‘imunidade’, enquanto outras acções subsequentes estavam a ser preparadas.

Uma dessas acções foi a tentativa de mudança fraudulenta da titularidade do imóvel em causa, uma acção que viria a contar com o concurso dos serviços do Governo Provincial de Luanda (GPL), do 3.º Cartório Notarial da Comarca de Luanda, da Conservatória do Registo Predial de Luanda e uma actuação, no mínimo, ‘estranha’ da 1.ª Secção da Sala do Cível do Tribunal da Comarca de Luanda.

O esquema engendrado por Luís Patrício Botelho [na foto principal] resume-se no seguinte: militantes do MPLA na Ingombota apercebem-se do anúncio da venda de um imóvel em 2016 e usam ardilosamente uma correctora imobiliária, que dá a conhecer ao proprietário (também militante) que o partido estava interessado em adquiri-lo para instalar um comité de acção. Porém, exigem “rigoroso sigilo” do processo negocial ao titular do património e informam que a verba da compra seria disponibilizada por um departamento ministerial, por suposta orientação do ex-presidente do partido.

Acto contínuo: a rede de burlões toma contacto com os documentos originais sob argumento de que queria aferir, junto do gabinete jurídico do GPL, a autenticidade dos mesmos antes mesmo de fechar o negócio; falsificam um requerimento (ver aqui) que solicitava ao GPL a transferência da titularidade do imóvel e uma procuração irrevogável (ver aqui).

Mais: ocupam efectivamente o espaço com a instalação do CAP 24 — com a garantia de que o valor seria pago, tão-logo o então Ministério dos Petróleos disponibilizasse as verbas — e simulam o arrendamento de parte do mesmo a uma empresa alheia aos golpistas, que, afinal de contas, veio-se a saber-se agora, nada mais é do que uma sociedade comercial pertencente ao ‘mentor da trama golpista’.

Os detalhes da história

Localizado na rua Clube Marítimo Africano, ex-Lopes de Lima, na fronteira com as Torres do Carmo, na Baixa de Luanda, o prédio urbano n.º 3375, propriedade do empresário Walter Ferreira da Conceição, está há nove anos em “posse ilegal” da ex-primeira-secretária do CAP 24 Antónia da Graça Botelho, depois que o seu filho, Luís Patrício Botelho, engendrou o esquema audacioso para ‘tomar de assalto’ o referido imóvel.

Usando, na ocasião, o nome do MPLA e a narrativa de que, a mando do então Presidente José Eduardo dos Santos, o antigo Ministério dos Petróleos haveria de disponibilizar 130 milhões de kwanzas pela sua compra — versão, entretanto, já desmentida pelo actual Ministério dos Recursos Minerais, Petróleos e Gás —, Antónia da Graça Botelho e o filho instalaram no imóvel, além do CAP 24, o Mini-Mercado LP Ingombota I, uma pequena superfície comercial ligada à antiga marca ‘Bem Me Quer’.

“Como facilmente se constata, em 2016 não poderia ter sido feito qualquer pagamento em nome do Ministério dos Recursos Minerais, Petróleo e Gás por inexistência deste departamento ministerial. No entanto, compulsados os nossos arquivos, não encontrámos qualquer registo relativo ao pagamento do Ministério a favor de Walter Ferreira da Conceição, ao abrigo de um contrato promessa de compra e venda de um prédio urbano situado no distrito urbano das Ingombotas”, lê-se na carta resposta aos advogados do empresário lesado.

Quando abordados por este portal, os protagonistas da ‘trama golpista’, Antónia da Graça Botelho e Luís Patrício Botelho disseram que a decisão do arrendamento de parte do imóvel à referida loja foi “uma orientação do partido” e que a informação era, inclusive, do domínio do segundo-secretário provincial do MPLA em Luanda, Ermelindo Pereira, que, entretanto, se recusou prestar quaisquer declarações a respeito do assunto.

A verdade oculta

Apesar do difícil acesso à comunicação com a liderança dos camaradas, quer no município, quer a nível da província de Luanda, as investigações do !STO É NOTÍCIA continuaram e eis que surgiu uma pergunta nunca antes feita: a quem pertence a empresa que supostamente havia arrendado parte do imóvel usurpado para fazer a exploração comercial?

A resposta estava, na verdade, numa simples acção, que passava pela compra de um dos produtos na referida superfície comercial (ver aqui factura).

Ou seja, a empresa arrendatária do imóvel atende pelo nome de LEDS 4U Angola (SU), Lda., com o Número de Identificação Fiscal (NIF) 5417325538 e trata-se de uma sociedade comercial unipessoal limitada de direito angolano, que tem como sócio único nada mais, nada menos do que o mentor do esquema golpista, Luís Patrício Botelho (ver aqui certidão comercial da empresa).

“Mesmo o nome da loja é revelador da sua titularidade: Mini-Mercado LP Ingombota I (LP de Luís Patrício)”, contou a este portal uma fonte, acrescentando que Luís Patrício Botelho e a mãe usam o CAP 24 apenas para legitimarem a exploração comercial do imóvel, enquanto decorrem os processos junto das instâncias judiciais, por um lado, e, por outro, porque o MPLA, quer no município da Ingombota, como a nível da província de Luanda, se mostra indiferente ao assunto.

MPLA evita exposição ao caso

Milca Caquesse, líder MPLA/Ingombota

Contactada por este portal, a primeira-secretária municipal do MPLA na Ingombota, Milca Caquesse, não deu garantias se vão retirar o CAP 24 do referido imóvel, tendo aconselhado apenas o titular a proceder a uma reclamação formal junto do partido na Ingombota e da administração municipal local.

Quanto a Luís Patrício Botelho, o front officer — uma espécie de ‘homem da linha da frente’ da ‘trama golpista’ — que já havia bloqueado as chamadas do telefone usado por este portal na rede normal e apagado a conta na rede WhatsApp associado ao seu contacto — bloqueou o seu perfil na rede social Facebook (ver aqui).

Ocupação ilegal do imóvel

A última vez que foi abordado por este portal, Luís Patrício Botelho — que continuava a falar em nome do partido no poder —, chegou a facultar uma cópia falsa de um contrato promessa de compra e venda (ver aqui) , supostamente assinado pela mãe e pelo empresário Walter Ferreira da Conceição.

Junto do GPL, a rede de burlões já havia tentado a ‘proeza’ de fazer a transferência do Título de Direito de Superfície (ver aqui) do imóvel para o nome de Antónia da Graça Botelho, apresentando o tal requerimento falso, em como o empresário Walter Ferreira da Conceição fazia a solicitação, porém, com contactos telefónicos a si pertencentes.

A rede de burlões tentou também alterar os dados do imóvel na base de dados da Conservatória do Registo Predial de Luanda (ver aqui) — a referida acção só teve sucesso na mudança do número telefónico — e realizado o pagamento do Imposto Predial (ver aqui) em nome de Antónia da Graça Botelho, como suposta titular do prédio urbano.

Juíza “indefere liminarmente providência cautelar”

Há dois anos, isto é, a 25 de Setembro de 2023, a juíza de direito Sílvia Francisco, à data dos factos colocada na 1.ª Secção da Sala do Cível do Tribunal da Comarca de Luanda, indeferiu liminarmente uma providência cautelar não especificada (ver aqui), intentada pelos advogados do empresário Walter Ferreira da Conceição.

Na sentença n.º 467/23 do Processo n.º 0199/2023-A — o número actual é o Processo n.º 0199/2023-P, a juíza de direito alegou “a ausência do fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do direito do requerente”, neste caso, do empresário Walter Ferreira da Conceição.

No entanto, não satisfeitos, os advogados do empresário interpuseram um recurso de agravo, que aguarda por uma decisão há precisamente dois anos.

ISTO É NOTÍCIA

Artigos Relacionados