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Parecer da ONU revela que Ministério Público angolano ameaçou São Vicente com condenação caso não entregasse os seus bens ao governo

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O parecer do Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária da Organização das Nações Unidas (ONU) — organismo que tem como principal vocação assegurar o respeito pelos direitos fundamentais — revela que, após a sua detenção, o empresário Carlos Manuel de São Vicente chegou a ser abordado por dois procuradores do Ministério Público, que o teriam proposto a entrega dos seus bens ao governo ou, caso contrário, acabaria condenado.

O relato, feito pelos advogados do empresário angolano àquele organismo da ONU, aponta que a 6 de Outubro de 2020, pouco mais de 15 dias depois da sua detenção, na ausência dos seus advogados e sem qualquer notificação prévia, dois procuradores do MP visitaram São Vicente, tendo, durante a conversa, proferido ameaças de que acabaria condenado, se não entregasse os seus bens ao governo, sendo aquela uma condição descrita como “necessária”.

“A fonte alega que o congelamento dos bens do Sr.º São Vicente teve como objectivo o reabastecimento do orçamento do Estado, como ilustrado pela visita de dois oficiais do Ministério Público ao Sr.º São Vicente a 6 de Outubro de 2020, durante a qual ameaçaram que seria considerado culpado se não entregasse os seus bens ao Estado, que disseram que precisava de dinheiro”, lê-se no documento, adoptado a 14 de Novembro de 2023, mas, entretanto, só tornado público esta semana.

Porém, em relação a esse encontro, “supostamente feito com a intenção de convencer o Sr. São Vicente a entregar a sua riqueza ao Estado, o Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária da ONU fez constar que, por não se tratar de juízes”, considerou não ter existido indício de que tivesse havido violação dos direitos do empresário.

A mesma opinião não tiveram os peritos e magistrados independentes do Gabinete do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, quando se referem ao alegado assédio promovido pelo Ministério Público nos media angolanos, divulgando declarações detalhadas à imprensa em cada etapa do processo e informando sobre a colocação de São Vicente na prisão preventiva antes mesmo que o próprio tivesse sido informado sobre a ocorrência.

“A fonte alega que o direito do Sr.º São Vicente a ser presumido inocente foi violado, na contramão do artigo 14 (2) da Convenção. De acordo com a fonte, o Sr.º São Vicente foi alvo de assédio nos media e na política promovida pelo Ministério Público e pelas autoridades do Estado”, sustentam.

O documento faz ainda referência a relatos segundo os quais as autoridades angolanas chegaram a recuperar chaves das propriedades de São Vicente com o objectivo de realizar visitas de representantes do Estado interessados nelas, violando assim o seu direito de ser presumido inocente, e numa altura em que ainda não tinha sido sequer julgado e condenado.

O parecer descreve ainda as dificuldades enfrentadas pelo empresário para se comunicar com os seus advogados e apresenta três ocasiões em que o São Vicente foi impedido de receber visitas: a 22 de Setembro de 2020, quando foi detido pela primeira vez; a 30 de Outubro e a 2 de Novembro de 2020, “com a única base de que estava em curso uma visita do director da prisão”.

“A fonte acrescenta que a visita dos dois agentes do Ministério Público ao Sr.º São Vicente em detenção no dia 6 de Outubro de 2020 ocorreu apesar de seus advogados não estarem presentes e não terem sido notificados da visita”, descreve o documento do Grupo de Trabalho sobre Detenções Arbitrárias, ligado ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.

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