Opinião. A publicidade dos actos normativos em Angola
Com certa regularidade, alguns amigos solicitam-me actos normativos que deveriam ser públicos e de fácil acesso aos cidadãos. Tal facto, revela a
terrível odisseia que os cidadãos precisam de percorrer para terem acesso aos actos normativos em Angola, em flagrante violação ao Princípio da Publicidade e ao direito à informação.
A Constituição da República de Angola em seu artigo 21.º, alínea b, estatui que constitui tarefa fundamental do Estado angolano assegurar os direitos,
liberdades e garantias fundamentais. Dentre os direitos fundamentais que devem ser assegurados e promovidos pelo Estado angolano figura o direito à informação, consagrado no artigo 40.º, n.º1, da Magna Carta angolana.
O direito à informação demanda o acesso sem entraves aos actos normativos produzidos pela Assembleia Nacional, pelo Presidente da República, seus
auxiliares e demais instituições do Estado, em observância ao Princípio da Publicidade, excepto nos casos de segredo de Estado e segredo de justiça.
Razão pela qual o artigo 125.º, n.º1, preconiza que o Presidente da República emite Decretos Legislativos Presidenciais, Decretos Legislativos Presidenciais Provisórios, Decretos Presidenciais e Despachos Presidenciais, que são publicados no Diário da República.
Por sua vez, o artigo 137.º estabelece que os Ministros de Estado e Ministros exaram Decretos Executivos e Despachos, que são publicados em Diário da República, enquanto o artigo 166.º, n.º1 assevera que a Assembleia Nacional emite Leis de Revisão Constitucional, Leis Orgânicas, Leis de Bases, Leis, Leis de Autorização Legislativa e Resoluções.
A publicação dos actos normativos supracitados em Diário da República obedece ao Princípio da Publicidade. Este Princípio pressupõe a obrigatoriedade da divulgação oficial dos actos normativos, o livre acesso dos cidadãos a informações, a transparência na actuação administrativa e o efeito dos actos normativos. Entretanto, o legislador constituinte foi omisso ao não dispor de maneira expressa esta obrigatoriedade aos actos emanados da Assembleia Nacional, tal como o fez com os actos normativos promulgados pelo Presidente da República e seus auxiliares.
Outro aspecto inquietante, refere-se ao facto de a publicação dos actos normativos em Diário da República não ser suficiente para assegurar a
observância do Princípio da Publicidade e o direito à informação, em razão do elevado custo do referido Diário, considerando-se o mísero salário-mínimo e o elevadíssimo custo de vida em Angola.
Acresce-se a isso, o facto de um grupo de empresas ter se arrogado o direito de comercializar a produção legislativa nacional. Isto é, empresas como
LexLink, LegisPalop, etc., cobram elevadas somas para que os operadores do direito e demais cidadãos tenham acesso irrestrito aos actos normativos
produzidos por servidores públicos, sustentados com dinheiro público. Trata-se de flagrante dupla extorsão!
Tais actos normativos deveriam estar disponíveis nas páginas da Assembleia Nacional e da Presidência da República. Por semelhante modo, os Acórdãos devidamente actualizados dos Tribunais Superiores devem estar disponíveis em suas páginas. De qualquer forma, muitos cidadãos continuarão alijados do direito à informação em função dos elevadíssimos custos dos serviços de internet no país. A despeito disto, urge a disponibilização de todos os actos normativos nas páginas das instituições que os emitem, a fim de assegurar e promover, neste aspecto, o direito à informação e a observância ao Princípio da Publicidade dos actos normativos. Importa rememorar que constitui tarefa do Estado assegurar e promover o direito à informação. Pois, as tarefas do Estado, não constituem “simples programas”, “exortações morais”, “declarações”, “sentenças políticas”, “promessas”, “apelos ao legislador”, “programas futuros” juridicamente desprovidos de vinculação. Na verdade, possuem um valor jurídico semelhante aos demais preceitos constitucionais, sendo, portanto, obrigatórias, vinculando o legislador, de forma permanente, à sua realização, assim como dos órgãos concretizadores, devendo estes tomá-las em consideração como directivas materiais permanentes, em qualquer dos momentos da actividade concretizadora, tal como observa José Joaquim Gomes Canotilho, em sua obra Direito Constitucional (1993).
O entrave no cumprimento da tarefa de salvaguarda e promoção do direito à informação parece enriquecer financeiramente um grupo selecto de iluminados, enquanto empobrece intelectualmente a maioria dos cidadãos, impede a formação de indivíduos conscientes dos seus direitos e deveres e tolhe a capacidade do exercício do chamado controlo social. Afinal, cidadãos desinformados e alienados são perfeitos para governantes autoritários e
lucrativos para elites parasitas.