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Isabel dos Santos, billionaire and former chairman of Sonangol Holding-Sociedade Nacional de Combustiveis de Angola EP, attends the inauguration of Efacec Power Solutions SA’s new electric mobility industrial unit in Maia, Portugal, on Monday, Feb. 5, 2018. The industrial unit will allow to increase the annual production capacity of high power fast loaders for electric vehicles. Photographer: Daniel Rodgrigues/Bloomberg via Getty Images

MP viola princípio da imparcialidade ao impedir que defesa de Isabel dos Santos obtenha confiança do processo para consulta, acusa especialista

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O Ministério Público (MP) indeferiu, na semana passada, três pedidos da defesa de Isabel dos Santos e co-arguidos, que pretendiam obter a confiança do processo, para poderem consultá-lo em seus escritórios. Porém, um especialista em Direito Penal, consultado pelo !STO É NOTÍCIA, considerou que o MP angolano, enquanto parte do processo, não tem legitimidade para tomar decisões sobre uma matéria em que é parte interessada na qualidade de acusador.

“Do ponto de vista formal, a partir do momento em que o Ministério Público acusa, ele é parte do processo. Significa que nem devia ser o MP, primeiro, a notificar a acusação, e, segundo, nem sequer se devia pronunciar sobre a confiança de consulta do processo, porque isso é contraditório”, começou por abordar o especialista, que preferiu que a sua identidade não fosse revelada.

Para o penalista, em circunstância alguma devia o MP angolano pronunciar-se ou autorizar ou não a confiança do processo por ser ele parte do mesmo, sendo, por isso, suspeito que o tenha feito nas condições em que o fez enquanto acusador.

“Eu acuso-te e depois digo se consultas ou não o processo? É mais ou menos isso. Isto viola o princípio da ampla defesa e uma série de princípios do direito ficam beliscados com isso, porque ele é parte e está a pronunciar-se sobre aquilo que ele acusou. Devia ser um ente diferente a pronunciar-se se há consulta ou não. Se dá ou não o processo à confiança”, exemplificou.

O tema em questão é, segundo o especialista, um dos vazios que o novo Código de Processo Penal angolano acabou por não resolver, uma vez que “quem continua a notificar sobre as acusações é o Ministério Público, quando, na verdade, já não devia ser” e, sim, um juiz.

“A lei também não diz quem é que devia e quem seria o juiz [de garantia ou outro]. Mas, devia ser o juiz da secção em que o processo seria distribuído. O processo está na secção X, lá tem o MP e tem um juiz. É esse juiz que devia notificar sobre a notificação ao arguido. Se o arguido requerer a confiança do processo ou a consulta do processo também é o juiz que se pronuncia e não MP, porque ele é parte. Sendo parte, não pode decidir em causa própria. Neste caso, se houve um indeferimento, recorre-se a um juiz de garantia”, acrescentou.

“Ora, tendo havido a acusação e porque as partes depois da acusação podem requerer a abertura de instrução contraditória, não faz sentido que lhes seja coarctado o direito de ter a confiança do processo”

O especialista entende que, para este caso em concreto da empresária Isabel dos Santos e co-arguidos, houve uma “violação do princípio do processo justo e equitativo”, que significa que o MP violou os critérios da objectividade, o princípio da imparcialidade, tendo agido como “juiz em causa própria”.

No despacho de recusa, o magistrado do Ministério Público evocou a “natureza secreta da Instrução Preparatória e o princípio do segredo de justiça” do processo, para argumentar que “o acesso ao processo via confiança solicitado implica a sua detenção material, impossibilitando que o mesmo esteja disponível na secretaria para os demais sujeitos processuais que também reivindicam a sua consulta”.

Na opinião do magistrado do MP, confiar o processo aos mandatários dos arguidos haveria de interferir “com o normal processamento e com os direitos dos demais intervenientes processuais”. Aliás, reforça o mesmo documento, “nos termos do disposto no Artigo 102.° n.° 1 alínea a) e n.° 3 do CPP, a consulta é feita na secretaria”.

Especialista desconstrói argumento do segredo de justiça

O especialista em Direito Penal não partilha da mesma opinião e lamentou, por um lado, que o Ministério Público angolano demonstre “ter pressa” de levar o caso a julgamento, e, por outro, rebateu a ideia do segredo de justiça evocado pelo MP,  alertando para as duas vertentes do segredo de justiça: uma interna e outra externa.

“Ora, tendo havido a acusação e porque as partes depois da acusação podem requerer a abertura de instrução contraditória, não faz sentido que lhes seja coarctado o direito de ter a confiança do processo, que é ir a tribunal, buscar o processo e levar ao escritório e tirar cópias, para melhor preparar uma instrução contraditória. Portanto, não faz sentido coarctar esse direito”, frisou.

“Neste caso em concreto, o princípio da ampla defesa fica beliscado, porque se o advogado requerer instrução contraditória, apesar de ele consultar o processo na Secretaria, não é a mesma coisa que ter o processo e tirar cópia do mesmo”

Segundo o penalista, o que levanta o Ministério Público é o ‘segredo externo’ e não o ‘interno’. No caso, o segredo interno aplica-se àqueles que não são sujeitos processuais, uma vez que, a partir do momento em que o arguido é acusado, ganha o estatuto de sujeito processual.

“Sendo sujeito processual, o arguido tem o direito de consultar o processo, de ter a confiança do processo. Portanto, não lhe pode ser coarctado esse direito, sob pena de violação, por exemplo, do princípio da igualmente e da ampla defesa”, salientou, acrescentando:

“Neste caso em concreto, o princípio da ampla defesa fica beliscado, porque se o advogado requerer instrução contraditória, apesar de ele consultar o processo na Secretaria, não é a mesma coisa que ter o processo e tirar cópia do mesmo. E ter as provas que o MP apresenta, os documentos que o processo tem. Não é a mesma coisa”.

O especialista defende, por outro lado, que o argumento do MP só faria sentido se em causa estivesse o segredo externo e não o segredo interno, partindo do princípio que os segredos externos não se aplicam aos sujeitos processuais, portanto, ao arguido. “Só quem não é sujeito processual é que não tem de ter acesso ao processo, porque é a parte externa”, referiu.

Penalista sugere recurso a juiz de garantia para contrapor indeferimento 

O especialista defendeu igualmente que “o arguido não pode ser impedido de consultar o processo, nem de ter acesso à confiança do processo, já que se ele quiser requerer a instrução contraditória, tem de ter o mesmo tempo, oportunidade, o mesmo à-vontade que o Ministério Público teve e tem para preparar a sua acusação”.

É também da opinião daquele especialista que os mandatários dos arguidos forem impedidos de aceder ao processo, sempre podem recorrer do despacho do magistrado do MP a um juiz de garantia.

“Imaginemos que não haja despacho de pronúncia. Se não houver despacho de pronúncia, eles podem ter o processo à confiança, porque já sabem que o julgamento está marcado para o dia X. Por exemplo, o julgamento está marcado para o dia 30 de Janeiro, quer dizer que hoje, dia 22, podem ter confiança ao processo. Porém, oito dias não é tempo suficiente para preparar um julgamento daquela envergadura. Mas, se não houver pronúncia, só podem ter a confiança do processo. Isto pode pôr em causa questões estratégicas, os próprios prazos para ter acesso ao processo, às provas, e etc. Em termos concretos, o que é que acontece? Os arguidos ficam com menos tempo para se preparar!”, contextualizou.

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