Lussati denuncia ao Parlamento que Miala inventou a história da ‘Operação Caranguejo’ para ficar com mais de 100 milhões de USD seus (Parte I)
O major das Forças Armadas Angolanas (FAA) Pedro Lussati, tido como o ‘cabecilha’ do ‘caso Operação Caranguejo’, recorreu à Assembleia Nacional a fim desta mandar espoletar, junto do Ministério Público (MP), um processo-crime contra o general Fernando Garcia Miala, por suposta autoria de “falsas narrativas criminais”, que culminaram com o seu sequestro e consequente roubo de mais de 100 milhões de dólares norte-americanos de que era titular.
Em causa está todo o desdobramento processual e operativo, incluindo factos a si imputados pelo Ministério Público (MP), levados a efeito no âmbito da ‘Operação Caranguejo’ — o conhecido mega-esquema de corrupção que envolveu altas patentes das FAA ligadas à ex-Casa de Segurança da Presidência da República —, ora apelidada por Pedro Lussati de “farsa teatral”, alegadamente urdida pelo general Fernando Miala, com o objectivo de espoliá-lo dos seus bens e contar uma mentira ao país.
Na denúncia que fez chegar à presidente da Assembleia Nacional e aos grupos parlamentares, Pedro Lussati — que se apresenta, além de engenheiro de computação e major das FAA, como investidor nas áreas de comércio internacional, investimentos financeiros e imobiliários, com património em Angola e no estrangeiro — abre a ‘Caixa da Pandora’ e revela factos bizarros envolvendo abuso de poder, sequestro, roubo, extorsão, denúncia caluniosa, prevaricação [quando um funcionário ou agente público pratica actos de ofício para atender interesses pessoais], e obstrução à justiça — todas elas atribuídas ao ministro Fernando Garcia Miala.
Na sua denúncia, o major das FAA conta a sua versão do envolvimento do seu nome no processo, alegando que a ‘Operação Caranguejo’, pela qual acabou condenado a 14 anos em primeira instância, não passou de uma invencionice muito bem elaborada e executada pelo chefe do Serviço de Inteligência e Segurança do Estado (SINSE), general Fernando Garcia Miala, com o único objectivo de ficar com os seus bens, principalmente financeiros.
A “farsa teatral”
No documento, Pedro Lussati refere que o envolvimento do seu nome na história da ‘Operação Caranguejo’, ao contrário do que ficou conhecido publicamente — principalmente por conta do que se exibiu no programa ‘Na Lente’, da Televisão Pública de Angola (TPA), não começou em Maio de 2021, ocasião em que teria sido montada aquilo a que chama de “farsa teatral”, na qual apareceu como tendo tentado protagonizar uma fuga do país com várias malas, contendo milhares de dólares norte-americanos.
A ‘verdadeira história’, conta o major Pedro Lussati no documento, começou muito antes, por volta do dia 14 de Fevereiro de 2021, quando elementos supostamente a mando do general Miala tomaram de assalto o seu apartamento em Odivelas, em Portugal, que era utilizado como armazém de mercadorias recebidas à consignação.
A 10 de Maio de 2021, continuou o major, os mesmos indivíduos que protagonizaram o assalto em Odivelas, acabariam por protagonizar mais quatro roubos em quatro imóveis seus em Luanda, de onde acabariam por subtrair activos monetários avultados, bem como retirado 23 viaturas do seu parque automóvel.
Na denúncia, o major das FAA descreve que o grupo que fez os assaltos agia como esquadrão da morte e tinha a missão de o matar, onde quer que o encontrassem.
Os factos omitidos
A convicção de Pedro Lussati, que se trata dos mesmos assaltantes assenta no facto de, a 19 de Maio de 2021, a Televisão Pública de Angola (TPA) ter exibido, no programa ‘Na Lente’, a denominada investigação jornalística ‘Operação Caranguejo’, na qual aparecem os bens que tinham sido roubados a 14 de Fevereiro de 2021, em Odivelas, Portugal, e nos em quatro imóveis seus em Luanda, a 10 de Maio do mesmo ano.
O major das FAA — que nega ter sido detido, e, sim, “sequestrado” à porta do condomínio Imoluanda, sito no Talatona, onde reside — afirma que, contrariamente a toda a informação veiculada pelos órgãos de comunicação social públicos, a sua alegada ‘detenção’ não obedeceu minimamente aos ditames do ritualismo processual judicial, com mandado de busca e captura, e etc.
O sequestro no lugar da detenção
Lussati descreve que foi sequestrado no dia 13 de Maio de 2021, exactamente quando ia a entrar no condomínio Imoluanda, tendo sido conduzido, naquele mesmo dia, a um cárcere privado, onde ficou até ao dia 27 de Junho de 2021, sem qualquer tipo de contacto com familiares e/ou amigos, ou colegas de serviço.
Para executar tal acção, o major das FAA narra que o general Miala contou com o concurso de quadros superiores do Serviço de Inteligência e Segurança do Estado, designadamente o brigadeiro Delfim Soares (actual delegado do SINSE em Luanda) e o coronel Dino Policárpio.
Teriam sido estes dois altos funcionários da Inteligência angolano que, supostamente, a mando do general Fernando Miala, no período em que esteve mantido em cárcere privado, o torturaram e o tentaram coagir a responder a interrogatórios incessantes, que se realizavam de dia e de noite, incluindo no período da meia-noite às 07h00 da manhã.
O imputar da culpa a três generais
De acordo com a exposição de Pedro Lussati ao Parlamento angolano, durante as sessões de interrogatório, tudo que o brigadeiro Delfim Soares, o coronel Dino Policárpio e inclusive o general Fernando Miala — que acabaria por conduzir também algumas sessões — pretendiam é que ele dissesse que o património de que era titular pertencia aos generais Kopelipa, Leopoldino do Nascimento ‘Dino’ ou Pedro Sebastião.
O objectivo, segundo Pedro Lussati, como se pode ler no documento enviado aos deputados à Assembleia Nacional, era triplo: primeiro, roubar e apropriar-se dos bens por si titulados; segundo, colher falsos testemunhos de que o património era pertença dos três generais; e, terceiro, acusá-lo da prática de vários crimes, “com a consciência da falsidade da imputação” e com a intenção de que contra o major das FAA se instaurasse um procedimento criminal, tal como veio, efectivamente, a acontecer, no âmbito da ‘Operação Caranguejo’, da qual afirma nunca ter sido parte integrante.
Aliás, Pedro Lussati descreve no documento que, de 2001 a 2017, serviu como primeiro oficial operacional da Sala de Operações da Unidade de Guarda Presidencial (UGP), tendo prestado apenas serviços ocasionais de apoio à Casa de Segurança do Presidente da República (CSPR) até 2017, data em que cessou a sua comissão normal de serviço.
Compra de activos imobiliário em Portugal
Na denúncia que dirigiu aos deputados, Pedro Lussati relata que, dos assaltos realizados, o general Fernando Garcia Miala teria encontrado, só em activos monetários, nas suas propriedades em Luanda, o valor de 80 milhões de dólares norte-americanos, tendo, no entanto, o chefe da Inteligência angolana reportado apenas dez milhões, ficando, supostamente, com os outros 70 milhões de dólares norte-americanos.
Segundo o major, em Odivelas, os supostos homens de Miala acabariam por levar consigo mercadorias avaliadas em 40 milhões de dólares norte-americanos, valores monetários que diz estarem a ser alegadamente usados pelo genro do chefe da Inteligência angolana, conhecido como Bruno Ouro, e por outros familiares seus, para comprar vários activos imobiliários em Portugal.
No documento, Pedro Lussati, que reconhece não ter feito ainda qualquer participação ao Ministério Público, no entanto, espera que seja agora o Parlamento a fazê-lo, já que, segundo seu entendimento, se “trata de crimes públicos, cometidos por agentes públicos, no exercício de funções públicas”.
Objectivos da denúncia
Para tal, o mesmo coloca-se à disposição do MP para o auxiliar, bem como se mostra disponível para constituir-se assistente em todas as fases do processo que venha a ser espoletado pelo Parlamento angolano.
O objectivo da denúncia, segundo o major das FAA, é fornecer à Assembleia Nacional, enquanto órgão representativo de todos os angolanos — que exerce a função de controlo e fiscalização do Estado e exprime a vontade soberana do povo — informação objectiva para permitir:
“(a) A fiscalização parlamentar da legalidade dos actos do ministro FGM [Fernando Garcia Miala], associados à privação de liberdade do denunciante e ao esbulho de seus bens;
(b) A realização, nas Comissões de Trabalho Especializadas da Assembleia Nacional, de audições e interpelações para determinar se os factos imputados ao ministro FGM configuram ou não crimes de violação à Constituição, que atentam gravemente contra o Estado democrático de direito ou contra o regular funcionamento das instituições, cometidos no exercício de funções públicas, na forma de abuso de poder, sequestro, roubo, extorsão, denúncia caluniosa, prevaricação e obstrução à justiça;
(c) A organização e condução de inquéritos aos factos ora denunciados e comunicação das respectivas constatações e conclusões ao Presidente da República, superior hierárquico do ministro FGM, e, se for caso disso, às competentes autoridades judiciárias;
(d) A participação aos órgãos jurisdicionais competentes dos factos ora denunciados e imputados ao ministro FGM, para efeitos de promoção do respectivo processo penal, nos termos do disposto nos artigos 49.º e 50.º do Código do Processo Penal, tal como sucedeu recentemente com a Veneranda Juíza Presidente do Tribunal de Contas.”
(Continua na Parte II)