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Joel Leonardo propõe Carlos Cavuquila a juiz-conselheiro mesmo após saber-se da sua condenação por desvios de fundos públicos

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O juiz-conselheiro presidente do Tribunal Supremo, Joel Leonardo, propôs, na última sessão plenária daquela instância judiciária superior, o nome de Carlos Alberto Cavuquila para o preenchimento da vaga deixada pelo venerando juiz-conselheiro Manuel da Silva ‘Maneco’, jubilado em 2022.

A proposta — apresentada ao Plenário do Tribunal Supremo na sessão desta sexta-feira, 12, e aprovada na ocasião, ignorou o facto de o Tribunal de Contas (TdC) ter revelado, na deliberação de 8 de Maio do corrente ano, que o actual vogal do Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ) foi condenado por desvios de fundos públicos.

Sobre Carlos Cavuquila — que foi administrador municipal de Cacuaco e director nacional de Identificação, Registos e Notariado até Fevereiro deste ano — pesam dois processos: o primeiro, pelo qual foi condenado a reintegrar ao Estado 29 917 164, 93 kz (vinte e nove milhões, novecentos e dezassete mil, cento e sessenta e quatro kwanzas e noventa e três cêntimos), no âmbito de uma sentença já transitada em julgado e em execução no Tribunal de Comarca de Luanda;

E um segundo processo que corre trâmites na 2.ª Câmara do Tribunal de Contas, desencadeado na sequência do “procedimento por responsabilidade financeira sancionatória e reintegratória”, envolvendo valores na ordem de 1 402 189 180,66 kz (mil, quatrocentos e dois milhões, cento e oitenta e nove mil, cento e oitenta kwanzas e sessenta e seis cêntimos) e 117 206 406,58 kz (cento e dezassete milhões, duzentos e seis mil, quatrocentos e seis kwanzas e cinquenta e oito cêntimos), respectivamente”.

Para ‘estranheza’ de alguns juízes-conselheiros, Joel Leonardo levou ao Plenário do Supremo o nome de Carlos Cavuquila como proposta para ocupar a vaga de jurista de mérito aberta após a jubilação do juiz-conselheiro Manuel da Silva, cuja chegada àquela corte suprema se deveu também à sua qualidade de jurista.

Após uma aturada discussão — uma vez que estava muito longe de ser unânime entre os juízes-conselheiros a ideia de que  fosse Carlos Cavuquila o nome que reunisse os melhores adjectivos que jogassem a favor da probidade pública, dos princípios ético-morais, exigíveis para se desempenhar um cargo na função pública — foi-se à votação e prevaleceu a vontade de uma maioria, garantida sobretudo pelos oito juízes-conselheiros recém-chegados ao Tribunal Supremo.

Aprovada a proposta, o processo seguirá agora para o Conselho Superior da Magistratura Judicial, que, por sua vez, irá produzir uma resolução e lavrar uma nota que deve ser enviada ao Presidente da República, para efeitos de nomeação e posse de Carlos Cavuquila como o novo juiz-conselheiro do Tribunal Supremo.

A favor de Carlos Alberto Cavuquila pesa o facto de o concurso para provimento de vagas para o Tribunal Supremo ter a validade de um ano. Como o período ainda está em vigor, não há, em princípio, necessidade de realização de um novo concurso para admissão de um único juiz-conselheiro, em função da vaga existente.

E mais: como no último concurso Carlos Cavuquila ficou em terceiro lugar na lista reservada aos juristas de mérito — tendo o primeiro e o segundo concorrentes entrado — não se coloca ainda a questão da legitimidade da indicação do seu nome para preencher a vaga deixada pelo venerando juiz jubilado.

O ‘problema’ de Carlos Cavuquila surge quando analisado o conteúdo da deliberação do Tribunal de Contas, na medida em que — à data em que participou do concurso para o provimento das oito vagas para juízes-conselheiros do Supremo — nada se sabia da sua condenação transitada em julgado e já em execução no Tribunal de Comarca de Luanda. E, ao que se sabe, o mesmo também não tomou a iniciativa de informar ao júri do referido concurso.

Uma fonte ouvida pelo !STO É NOTÍCIA que preferiu o anonimato — que caracterizou a situação como “bizarra e ao mesmo anedótica” — começou por questionar a proposta apresentada por Joel Leonardo, assim como as razões de fundo de se ter levado à consideração dos juízes-conselheiros de um tribunal superior o nome de um “indivíduo sem ficha limpa”.

Por outro lado, a fonte mostrou-se igualmente escandalizada com o facto de os juízes terem ignorado a deliberação do Tribunal de Contas, que trouxe a lume uma questão que nunca deveria ter sido nunca minimizada, a da reputação ilibada que se exige de um quadro da justiça, quanto mais não seja tratando-se de um juiz de um tribunal superior.

“A questão que se põe agora é que ninguém sabia que ele tinha os dois processos junto do Tribunal de Contas, e que já havia sido condenado num deles. E só foi por ausência desta informação que ele acabou admitido para o concurso do Tribunal Supremo, mas tendo o Tribunal de Contas feito a deliberação nos termos que tomou, desqualificando o seu nome para o corpo de júri do concurso para o preenchimento de cinco vagas para os juízes conselheiros daquela corte, não faz sentido que [Carlos Cavuquila] venha hoje ser proposto a candidato a juiz-conselheiro de um tribunal superior como o Tribunal Supremo”, frisou a fonte.

O que está em causa, segundo a fonte do !STO É NOTÍCIA, em relação a Carlos Cavuquila é “a ausência de princípios de probidade e morais, enquanto foi servidor público, uma vez que a sua condenação foi confirmada e está a ser executada”.

“Então, não pode. O senhor Presidente da República tem mais um aviso à navegação, porque isso está a ficar feio. Estão a inundar o poder judicial com elementos declaradamente imorais, sem ética e sem probidade administrativa. Até porque Carlos Cavuquila foi condenado. E se a condenação transitou em julgado é porque ficou provado que ele terá feito uso indevido desses recursos financeiros do Estado”, referiu a fonte.

A agravar a situação de Carlos Cavuquila, ainda de acordo com a mesma fonte, está o facto de o segundo processo do Tribunal de Contas estar a ser concluído, no qual vem acusado de ter desviado acima de mil milhões de kwanzas. “Portanto, é imoral o Presidente da República nomear e dar posse a uma pessoa com este perfil”, argumentou, acrescendo:

“No limite, uma vez nomeado e empossado, Carlos Cavuquila poria em causa a política contra a corrupção do Presidente da República, exactamente por ele ter sido condenado por actos de corrupção. Porque, corrupção é desvio, e desvio é o quê? É corrupção. Mexer no dinheiro público”.

Como última análise, a fonte do !STO É NOTÍCIA questionou uma eventual posição do Presidente da República, caso decida, contra todas as expectativas, nomear e dar posse a Carlos Cavuquila:

“Como é que alguém que está a lutar contra a corrupção, vai dar posse alguém que foi condenado pelo Tribunal de Contas? Porque já não se está naquela fase de suspeição, em que existe o princípio da presunção de inocência, que não se aplica a este caso, porque ele já está condenado e a condenação já está em execução”.

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