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Joel Leonardo afastou em sinal de represália consultora que o alertou de práticas ilegais no Supremo

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A consultora do juiz-conselheiro presidente do Tribunal Supremo (TS) — responsável por alertá-lo, em Setembro de 2022, da prática de ilegalidades na mais alta instância da jurisdição comum do país —, acabou ‘afinal’ afastada, após ter produzido um segundo parecer técnico, no qual voltou a apontar outra “ilegalidade”, envolvendo a empresa Mbakassy, Joel Leonardo e o Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ), apurou o !STO É NOTÍCIA de fonte próxima do assunto.

Em causa estava o Ofício n.º 3436/035/GSE/CSMJ/2022, relativo à cobrança de uma alegada dívida de 345 819 612,31 kz (trezentos e quarenta cinco milhões, oitocentos e dezanove mil, seiscentos e doze kwanzas e trinta e um cêntimos) por parte da empresa Mbakassy, responsável por efectuar obras de reabilitação no edifício do Tribunal do Nova Vida, sem que, no entanto, tivesse sido realizado o correspondente concurso público para a sua adjudicação.

Fonte do Tribunal Supremo revelou a este portal que, em Outubro de 2022, a então consultora de Joel Leonardo para os Assuntos de Finanças Públicas e coordenadora executiva para a implementação do Cofre Geral dos Tribunais (CGT), Helena Nerica C. Pacavira de Sousa, se expôs ao pagamento do referido valor à Mbakassy, argumentando que, “mais do que uma irregularidade, se estava perante uma ilegalidade”.

Segundo a mesma do fonte, a seguir a este último parecer técnico de Helena Nerica C. Pacavira de Sousa, Joel Leonardo decidiu desfazer-se da ‘incómoda’ consultora, que, no intervalo de dois meses, chegou a ‘bater o pé’ duas vezes, colocando em causa decisões tomadas pelo presidente do Tribunal Supremo e pelo CSMJ.

A história da alegada dívida

Em Janeiro de 2022, o presidente do Tribunal Supremo assinou, sem realizar concurso público, um contrato de prestação de serviços com a empresa Mbakassy, no qual se previa o pagamento de quase 346 milhões de kwanzas, pela intervenção realizada no Tribunal do Nova Vida, após um acordo verbal entre as partes.

Meses depois, a empresa Mbakassy enviou uma carta àquele tribunal a cobrar o pagamento da referida dívida, tendo, ao mesmo tempo, escrito à ministra das Finanças, Vera Daves de Sousa, sobre o mesmo assunto.

No parecer técnico com o n.º 19/CEGCICGT_10/2022, a cujo conteúdo este portal teve acesso, Helena Nerica C. Pacavira de Sousa alertava para a necessidade de se compreender e rever todo o processo que culminou com a cobrança dos serviços prestados, que, segundo constava, “seria um acto de boa vontade do empreiteiro/prestador/fornecedor, em que verbalmente se terá assumido o pagamento para um período em que financeiramente existisse disponibilidade”.

No entanto, após o referido acerto surgiu um contrato escrito cujas cláusulas contrastavam com o que havia ficado acordado verbalmente, e, pior ainda: o contrato impunha ao Tribunal Supremo ‘severas consequências’, caso este não liquidasse a dívida nas datas ali indicadas.

“Igualmente, chamamos a atenção aqui às demais cláusulas contratuais, que em momento algum fazem referência ao verbalmente acordado. Antes pelo contrário, cria um compromisso futuro, não só de pagamentos, mas igualmente de consequências bastante pesadas para o incumprimento do pagamento”, realçou no parecer técnico a antiga consultora de Joel Loenardo.

Na cláusula sétima, por exemplo, sobre o ‘valor do contrato’, apontava-se o total de 345 819 612, 31 kz, que deveria ser pago nos seguintes termos: 10% do valor total da empreitada com a adjudicação e 10% nos meses seguintes, até à liquidação do valor em dívida.

Mas aí levantou-se um problema: todas estas condições foram aceites, tendo sido celebrado o contrato a 4 de Janeiro de 2022, sem, no entanto, ter havido um concurso público, e, por conseguinte, sem as peças concursais, sem os relatórios da fiscalização da obra, sem a devida inscrição da despesa e a consequente aprovação da mesma.

“É importante aqui clarificar que não estamos somente perante uma situação de mera irregularidade, mas sim uma ilegalidade, para as quais entendemos equacionar os seguintes cenários”, alertou Helena Nerica C. Pacavira de Sousa, propondo três leituras sobre o assunto:

Cenário 1

Um primeiro cenário traçaria uma eventual intenção, por parte do Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ), de realizar o pagamento dos serviços efectuados. Para tal, Helena Nerica C. Pacavira de Sousa sugeriu que, para aquele caso em concreto, teriam que se juntar todas as restantes peças contratuais, com maior relevância para os relatórios emitidos pela fiscalização, que, segundo seu parecer, “ainda assim não tornaria o processo legal”.

No mesmo documento, a consultora chamava também a atenção para o facto de a Mbakassy ter dado conta da situação à ministra Vera Daves de Sousa, o que a priori indiciava que “esta ilegalidade é já do conhecimento do MINFIN [Ministério das Finanças]”.

Além do mais, assinalava a consultora de Joel Leonardo, o CSMJ não teria como autorizar o pagamento da referida dívida, já que não tem “atribuições para execução desta despesa”. “Pelo que podemos igualmente concluir que esta não terá sido inscrita e devidamente autorizada (relembrando que somente se podem realizar despesas que tenham sido inscritas no orçamento, e que estejam devidamente autorizadas)”, frisou.

Cenário 2

Um segundo cenário passaria pela eventual tentativa de inscrição da despesa como ‘Dívida Pública (restos a pagar)’. Sobre esta possibilidade, Helena Nerica C. Pacavira de Sousa lembrava a Joel Leonardo que, para que se pudesse transformar a referida despesa em dívida pública, fazia-se necessário que se procedesse à validação/certificação da mesma, uma tarefa que hoje é delegada à Inspecção Geral da Administração do Estado (IGAE).

 “Na realidade, a inexistência das peças concursais, relatório de fiscalização, devida inscrição da despesa, a sua aprovação ditariam a não validação ou certificação da dívida, lembrando que a existência de um acordo quadro e de um contrato não são condições suficientes para a validação desta despesa e, consequente, pagamento”, alertava.

Cenário 3

Num terceiro e último cenário, a antiga consultora de Joel Leonardo propunha a elaboração de um relatório devidamente fundamentado, uma vez que o documento já estava em posse da ministra das Finanças, sendo, por isso, expectável que esta já tivesse levado o assunto ao conhecimento de João Lourenço. “O que, de todo o modo, seria visto como um péssimo indicador de gestão do erário e da má qualidade da despesa”, notou.

No parecer técnico, Helena Nerica C. Pacavira de Sousa sugeria a inclusão de um relatório de fiscalização, atestando os avanços da obra, outras propostas menos vantajosas economicamente, e que se espelhasse igualmente a necessidade premente de intervenção; ou seja, o que terá levado à assinatura do contrato e consequente execução da obra de reabilitação, para que deste modo se solicitasse um crédito adicional ou uma autorização excepcional para o pagamento da despesa.

Arrecadação de receitas judiciais

Lembrar que foi a mesma consultora para os Assuntos de Finanças Públicas do juiz-presidente do Tribunal Supremo que, em Setembro de 2022, alertou Joel Leonardo das acções ‘irregulares e ilegais’ praticadas por si e pelo CSMJ, quando, ao arrepio da lei, decidiram adoptar um novo modelo de arrecadação de receitas públicas.

O presidente do Tribunal Supremo, via Conselho Superior da Magistratura Judicial, havia alterado tal procedimento, indicando uma nova conta bancária para a qual viriam a ser transferidos os valores das custas judiciais.

“Somos por este meio dar nota de que a modalidade adoptada/orientada, para a arrecadação das receitas, viola gravemente o instituído em matéria de arrecadação das receitas publicas”, alertou, na ocasião, Helena Nerica C. Pacavira de Sousa, aludindo que, sendo uma deliberação tomada a nível do CSMJ, “é igualmente ilegal, pois este órgão não tem atribuições para estipular/instruir novas formas de arrecadação de receitas”.

A conta bancária, para a qual passaram a ser transferidos os valores das custas judiciais, domiciliada no Banco de Comércio e Indústria (BCI), era a mesma apontada pelo portal de notícias Club-K como tendo sido utilizada para efectuar pagamentos a empresas pertencentes a familiares e/ou pessoas próximas ao juiz-presidente Joel Leonardo, que prestam serviço nos vários tribunais.

A mesma conta (n.º 1139557.10.002 /IBAN AO06 0005 0000 0113 9557 1029 4) acabaria encerrada por ordem de Joel Leonardo, em Janeiro deste ano, de acordo com o despacho n.º 09/CSMJ/2023, de 26 de Janeiro.

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