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Expropriação de turbinas à empresa Aenergy coloca Angola diante do primeiro caso de arbitragem junto do Banco Mundial

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O polémico e mediático caso de rescisão de 13 contratos e consequente arresto de quatro turbinas, que envolveu a sociedade comercial Aenergy S.A e dois órgãos afectos ao Ministério da Energia e Águas (MINEA), voltou a produzir um novo e inédito capítulo na já longa contenda judicial que opõe o empresário português Ricardo Machado e o Estado angolano.

Pela primeira vez, em 16 anos, desde que subscreveu o ‘Acordo de Promoção e Protecção Mútua de Investimentos entre a República Portuguesa e a República de Angola’, o Estado angolano vai enfrentar um processo arbitral junto do Centro Internacional para a Resolução de Diferendos Relativos a Investimentos (ICSID) — uma agência do Banco Mundial (BM) com sede em Washington, nos Estados Unidos da América (EUA).

Em causa está o Processo n.º ARB/24/8, movido pelo empresário Ricardo Filomeno Duarte Ventura Leitão Machado, proprietário da empresa de direito angolano Aenergy, com o qual o Estado angolano mantém um diferendo judicial desde Setembro de 2019, quando, unilateralmente, o Presidente João Lourenço mandou rescindir de 13 contratos, avaliados em 1,1 mil milhão de dólares norte-americanos, que ligavam a Aenergy à Empresa Nacional de Distribuição de Energia (ENDE, E.P) e à PRODEL, E.P (empresa nacional de produção de energia).

A acção arbitral

Em Março deste ano, a Ricardo Machado apresentou, junto do Centro Internacional para a Resolução de Diferendos Relativos a Investimentos (ICSID), um pedido de arbitragem, com o objectivo de obter mais de 112 milhões de dólares americanos pela alegada expropriação ilegal de quatro turbinas e uso indevido de duas delas numa central eléctrica, na província do Cunene.

O órgão do BM registou o pedido a 28 de Março, colocando Angola, pela primeira vez, na lista dos Estados com casos de arbitragem, ao abrigo do Tratado Bilateral de Investimento entre Angola e Portugal, inicialmente assinado a 22 de Fevereiro de 2008 e depois revisto a 16 de Junho de 2021.

O Centro Internacional para a Resolução de Diferendos Relativos a Investimentos e a Convenção de Washington sobre Diferendos Relativos a Investimentos entre Estados e Investidores de Outros Estados, também conhecida como Convenção ICSID, desempenham um papel fundamental na resolução de diferendos relativos a investimentos.

O Estado de acolhimento (neste caso Angola), que é o Estado que aceita o investimento, deve ser membro do ICSID, já que o órgão é uma instituição imparcial e fiável que aplica métodos de resolução de mediação e arbitragem em litígios entre governos e investidores directos estrangeiros (pessoas de direito privado), a fim de assegurar o fluxo de investimento internacional.

No processo — o primeiro caso no âmbito do acordo entre Angola e Portugal —, o empresário português é representado pela Arias SLP, com sede em Madrid (Espanha), e pelo escritório de advogado português Pact-Orey da Cunha.

Rescisão contratual

Em 2019, o governo angolano, através de um despacho assinado pelo Presidente João Lourenço, decidiu rescindir os 13 contratos que ligavam a sociedade comercial de direito angolano Aenergy S.A. às estatais Empresa Nacional de Distribuição de Energia (ENDE, E.P) e de Produção de Electricidade (PRODEL, E.P).

À data dos factos, a Procuradoria-Geral da República (PGR), através do Tribunal Provincial de Luanda, intentou uma providência cautelar de arresto contra a Aenergy, alegando “indícios de violação” de contratos.

Através de um comunicado, a PGR angolana explicou que estavam em causa contratos celebrados com o Ministério de Energia e Águas, “através da empresa pública PRODEL para o fornecimento de turbinas, visando a produção de energia eléctrica decorrente de uma linha de crédito atribuída ao Estado angolano” no valor de 1.100 milhões de dólares.

Além das turbinas, foram também arrestadas na ocasião peças e consumíveis decorrentes de um contrato de fornecimento e a assistência técnica de geradores industriais e outros materiais de produção de energia eléctrica celebrado entre a Aenergy e o Ministério da Energia e Águas, através da empresa pública ENDE”, no valor de 114 milhões de dólares.

“Esta expropriação, chocantemente ilegal e infundada, é apenas mais um episódio da violação grosseira dos princípios elementares do Estado de direito em Angola, e serve o propósito de encobrir as acções de natureza criminal de terceiros, protegidos pelo ministro da Energia e Águas”

Na ocasião, e através de uma nota de esclarecimento, o empresário Ricardo Machado acusou o Estado angolano de “expropriação ilegal e infundada” de quatro turbinas, adquiridas no âmbito de um financiamento da General Electric Capital, e outros equipamentos.

“Esta expropriação, chocantemente ilegal e infundada, é apenas mais um episódio da violação grosseira dos princípios elementares do Estado de direito em Angola, e serve o propósito de encobrir as acções de natureza criminal de terceiros, protegidos pelo ministro da Energia e Águas (MINEA), justificando também uma rescisão ilícita e infundada dos contratos que a Aenergy tinha em vigor com entidades superintendidas pelo MINEA”, lia-se na referida.

As quatro turbinas arrestadas foram entregues ao Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE), tendo este depois transferido para as instalações da PRODEL, na zona da Camama.

Turbinas em uso no Cunene

No processo arbitral ora apresentado à agência do Banco Mundial, o empresário português argumenta que o tribunal angolano foi “extraordinariamente lento” a ouvir o pedido de Angola para uma nova acção declarativa, com uma data de audiência  não marcada para 2022, período durante o qual a ordem de apreensão das turbinas permaneceu em vigor.

No entanto, prossegue Ricardo Machado, o MINEA chegou a anunciar, tempos depois, a instalação de uma central eléctrica no Cunene, para a qual teriam sido destinadas duas turbinas “exactamente” com as mesmas características técnicas das que foram apreendidas após a rescisão dos 13 contratos e consequente arresto dos equipamentos por ordem do Tribunal de Luanda.

Após verificar que as duas das turbinas utilizadas no projecto do Cunene eram as que tinham sido apreendidas à Aenergy, o Ricardo Machado explica que chegou a notificar as autoridades angolanas do litígio, ao abrigo do Tratado Bilateral de Investimentos, em Dezembro de 2022, tendo Angola se recusado a resolvê-lo durante um período de reflexão de seis meses.

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