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EUA. Tudo o que precisa saber sobre a crise política no Congresso americano

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A Câmara de Representantes do Congresso dos EUA continua sem um speaker, três semanas depois de os republicanos terem destituído Kevin McCarthy, provocando uma crise política ainda sem fim.

Hoje, os republicanos fazem uma terceira votação interna para tentar designar um novo candidato a líder da maioria na Câmara de Representantes, que se se sujeite a novas votações em plenário, esperando obter os 217 votos necessários, que até agora têm sido recusados por falta de consenso entre os conservadores.

Eis algumas perguntas e respostas sobre a crise no Capitólio dos Estados Unidos:

O que provocou a demissão de Kevin McCarthy?

A escolha do líder da maioria Republicana na Câmara de Representantes começou de forma difícil, com McCarthy a ser obrigado a 15 rondas até conseguir obter os votos necessários, perante um clima de profundas divisões entre os conservadores.

A vitória de McCarthy só foi possível depois de o congressista da Califórnia ter aceitado exigentes condições colocadas por um grupo de oitos membros da ala mais radical, próxima do ex-Presidente Donald Trump.

Entre as condições impostas incluía-se uma cláusula segundo a qual o speaker ficava obrigado a colocar o seu lugar à disposição desde que um único membro da Câmara questionasse a sua legitimidade para se manter no cargo.

Essa situação aconteceu depois de McCarthy ter aceitado aprovar uma proposta conjunta com os democratas para evitar que o governo do Presidente Joe Biden ficasse paralisado por falta de financiamento, ao permitir um aumento provisório da dívida do Estado.

McCarthy foi acusado pelo seu colega Republicano Matt Gaetz (membro do grupo radical do partido) de estar em conluio com os democratas — apesar de ter aceitado iniciar um processo de destituição contra Joe Biden, por causa do seu alegado envolvimento em suspeitas de irregularidades em negócios no estrangeiro do seu filho Hunter — pelo que pediu a sua demissão.

Por que razão os Republicanos não conseguiram encontrar um sucessor para McCarthy?

A divisão dentro da bancada republicana na Câmara de Representantes acentuou-se com a demissão de McCarthy, afastando ainda mais a maioria de membros moderados e o minoritário de grupo radical próximo de Trump.

Apesar de ser minoritário, os oito elementos desse grupo radical são essenciais para que os Republicanos consigam reunir os 217 votos para a eleição em plenário de um speaker, o que lhes tem permitido impor condições e propor candidatos.

Os Republicanos tentaram duas soluções, após votações internas que pareciam indicar algum consenso na bancada parlamentar: Steve Scalise, eleito pelo Louisiana, e Jim Jordan, eleito pelo Ohio e figura próxima de Trump.

Em ambos os casos estas candidaturas falharam o propósito de reunirem os votos suficientes para combater a minoria Democrata na câmara, com Jordan a insistir em três eleições sucessivas em que ia perdendo votos de cada vez que tentava impor a sua escolha, com os moderados a rejeitarem as propostas da ala mais radical, acusada de estar a tentar uma agenda política demasiado polarizada.

A ala moderada queixou-se mesmo da existência de ameaças a quem não apoiasse o candidato Republicano indicado para as eleições em plenário, provocando celeuma dentro do partido.

Quem são os candidatos para uma nova ronda de votações em plenário? 

Após as derrotas de Scalise e de Jordan, os Republicanos voltaram hoje a reunir-se à porta fechada para escolher um de oito candidatos que se disponibilizaram para ir a votos em plenário, procurando os 217 votos necessários.

Mike Johnson, do Louisiana, Tom Emmer, do Minnesotta, Kevin Hern, de Oklahoma, Byron Donalds, da Florida, Jack Bergman, do Michigan, Gary Palmer, do Alabama, Austin Scott, da Geórgia, e Pete Sessions, do Texas.

Destes oito, apenas dois – Tom Emmer e Austin Scott – não pediram a reversão dos resultados eleitorais das presidenciais de 2020, que ditaram a derrota de Donald Trump perante o Democrata Joe Biden, o que evidencia a forte presença de candidatos próximos do ex-Presidente e da ala mais radical do Partido Republicano.

A câmara de representantes não pode funcionar sem um speaker eleito?

A câmara tem funcionado sob a liderança de um speaker temporário, Patrick McHenry, mas está impedida de tomar decisões sobre matérias tão relevantes como o apoio norte-americano à guerra na Ucrânia ou o envolvimento no conflito no Médio Oriente, bem como sobre o aumento da dívida para permitir o financiamento do Governo.

McHenry tem demonstrado a flexibilidade suficiente para agradar a Republicanos e Democratas na condução dos trabalhos da câmara e tem servido de ponte entre a ala mais moderada e a ala próxima de Trump.

Contudo, o mesmo McHenry já admitiu que não poderá exercer o cargo durante muito mais tempo sem impedir que a câmara entre num impasse que a paralise totalmente, alertando para a imagem negativa que esta situação está a dar do seu partido perante a opinião pública, quando falta um ano para as eleições presidenciais.

Que danos está a provocar esta crise política no Congresso? 

O Presidente Joe Biden não esconde a preocupação com o facto de a câmara estar sem um speaker quando se aproxima a data-limite para aprovar um aumento do défice que permita a continuidade do financiamento do Governo, o que pode levar a mais uma paralisação.

A nível interno, a câmara está também impedida de aprovar resoluções que possam ajudar a regular a política económica, nomeadamente ao nível do combate aos efeitos da inflação, que ainda se mantêm a um nível elevado.

A nível externo, a ausência de um líder também impede a autorização de gastos em ajuda humanitária e militar em conflitos externos, como aqueles que ocorrem na Ucrânia (onde os Estados Unidos são o maior doador) e, mais recentemente, no Médio Oriente, depois de o aliado Israel ter declarado guerra ao grupo islamita Hamas.

A crise está também a provocar danos na imagem do Partido Republicano junto do seu eleitorado, com recentes sondagens a indicarem que a maioria dos norte-americanos não consegue entender as divisões entre a bancada maioritária.

Que soluções podem ser encontrada para superar a crise política no Congresso? 

Os Republicanos prometem unir-se à volta de um nome para tentar impor a sua posição perante a minoria Democrata, mas até agora essa promessa não tem passado de uma intenção que se revela ineficaz nas votações em plenário.

Nas escolhas internas, em voto secreto, os Republicanos têm conseguido maiorias sólidas para a indicação do seu candidato, por duas vezes, com Scalise e com Jordan.

Contudo, como a votação em plenário é feita de braço no ar, no momento crucial os Republicanos não escondem as divergências, não tendo tirado proveito de usar a sua maioria para impor um nome.

Se voltarem a não conseguir unir-se para aprovar o speaker, uma das possibilidades que resta à ala moderada dos Republicanos é indicarem um nome que agrade aos dois partidos e que possa contar com a ajuda de uma parte da bancada Democrata.

Contudo, essa solução agravaria ainda mais a divergência entre os Republicanos e também não há nenhuma garantia que os Democratas estejam dispostos a dar mão a um partido que ainda recentemente iniciou um processo de destituição contra Joe Biden.

Finalmente, há a possibilidade de alargar os poderes ao speaker temporário, permitindo-lhe garantir que a câmara não fica tolhida de algumas das suas prerrogativas legislativas, incluindo a garantia de impedir uma paralisação do Governo ou o apoio militar a aliados externos.

Contudo, vários constitucionalistas consideram que esta possibilidade — que nunca foi tentada em mais de 200 anos de democracia — pode levantar inúmeras dificuldades legais e que pode ser facilmente contestada em tribunais.

LUSA

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