Declarações políticas. MPLA ataca “populismo da UNITA” e esta defende-se com os números da miséria, da pobreza, da fome e da corrupção
A sessão plenária da Assembleia Nacional da última quinta-feira, 27, cujo debate se debruçou sobre a Conta Geral do Estado, referente ao exercício económico do ano de 2021, ficou marcada por duas intervenções com sentidos diametralmente opostos. MPLA e UNITA, as duas maiores forças partidárias do país, trocaram ‘galhardetes’ durante as suas declarações políticas.
O MPLA, o partido do governo, cuja declaração política foi apresentada pelo deputado Kilamba Van-Dúnem, criticou, de forma ríspida, aquilo que considera tratar-se de um retorno às “paixões de um passado recente” — da guerra, diga-se —, já tidas como esquecidas, que, na opinião do partido da maioria parlamentar colocam hoje em perigo “a jovem democracia” angolana.
O partido no poder acusou o seu principal adversário político de pretender despertar tais “paixões”, por entender que este será o caminho mais assertivo para o alcance do poder político em Angola.
“Referimo-nos concretamente à contínua intenção de desacreditar as instituições do Estado, legalmente estabelecidas, como se apenas alguns estivessem nelas representados e não todos, o que consideramos ser uma grave ameaça à democracia e ao Estado de direito, por serem essenciais para a manutenção do equilíbrio do poder na sociedade e para a garantia dos direitos, liberdades e garantias individuais”, salientou o MPLA.
Os deputados do MPLA afirmaram, através da sua declaração política, que é parte do seu dever não permitirem que a “jovem democracia seja colocada em perigo, de forma irresponsável” e tudo farão “para garantir que o Estado de direito seja respeitado e que os direitos de todos os cidadãos, sem excepções, sejam preservados”.
Para a Bancada Parlamentar do MPLA, existe uma relação significativa entre o populismo político e o ataque às instituições legalmente estabelecidas. “Os líderes populistas frequentemente usam retóricas inflamadas e simplistas para mobilizar a população contra as instituições e os poderes estabelecidos, a fim de ganharem mais notoriedade, protagonismo e procurarem a autoridade que lhes falta”, explicou na sua declaração o MPLA.
O MPLA alertou também para o perigo de haver uma certa bipolarização política e social, diante de um quadro marcado pelo divisionismo, decorrente da actuação populista do seu principal adversário.
“Estes líderes afirmam frequentemente que as instituições estabelecidas, quer no poder Executivo, no Legislativo e no Judicial, são corruptas e ineficazes, e que precisam de ser substituídas por outras formas de liderança, muitas vezes centradas e personificadas na figura do próprio líder populista”, acusou, considerando que tudo isso só terá um desfecho:
“…Poderá levar à polarização política e social, à estigmatização de grupos e o fomento da hostilidade entre os diferentes sectores, e, em última instância, fragilizando a coesão social, criando desta forma um clima político cada vez mais divisivo, em que as instituições são vistas como inimigas e os aliados do líder populista são tidos como os puritanos, os mais honestos e os mais capazes. Nada mais falso!”
UNITA leva indicadores para ilustrar quadro sombrio
Por seu turno, a UNITA, que usou da palavra através do seu líder parlamentar, Liberty Chiyaka, levou ao debate indicadores estatísticos de estudos realizados por instituições nacionais e internacionais, para expor o “mau desempenho do governo”.
Segundo a UNITA, a Conta Geral do Estado fornece ao país evidências sólidas da má governação, o que, a seu ver, reforça e consolida a necessidade de responsabilizar politicamente o titular do Poder Executivo, já que, no seu entender, “as contas não batem certo”.
Evocando indicadores publicados por entidades como o Instituto Nacional de Estatística (INE), o Banco Mundial (BM), o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a UNITA levou para o debate parlamentar as seguintes conclusões:
“Medindo a miséria, Angola está entre os 20 países mais miseráveis do mundo, ocupando o 13.º lugar; Medindo a fome, utilizando o Índice Global da Fome, Angola ocupa o lugar 97 entre 116 países; Avaliando a corrupção, a partir do Índice de Percepção da Corrupção, Angola ocupa o lugar 116 entre 180 países do mundo;
Avaliando o Ambiente de negócios, Angola está entre os últimos 12 países entre 190; Avaliando a boa governação a partir Índice Mo Ibrahim, Angola está entre os 10 últimos países da África; E, se considerarmos como real a taxa de inflação, acima de 19%, e a taxa básica de juro fixada pelo BNA de 17%, Angola tem uma das cinco taxas mais altas do continente africano, que as famílias não podem suportar e às quais nenhuma empresa poderá sobreviver.”
A UNITA juntou também aos dados do debate parlamentar a avaliação do “desempenho da governação a partir da percepção aceite de uma taxa de desemprego de 44%”, chegando à conclusão que “também estamos mal, estamos entre os dez piores países de África para se viver sob a tutela do actual Governo”.
São números, segundo a UNITA, “da nossa triste e dolorosa realidade”, acrescido ao facto de Angola possuir “uma das mais altas taxas de mortalidade infantil do mundo por desnutrição, segundo o Unicef”: “Estima-se que, todos os dias, 46 crianças morrem por desnutrição em Angola”.
E de estatística não era tudo! O líder parlamentar da UNITA ainda foi a tempo de avançar também com os dados sobre a pobreza extrema, que cresceu de 35% para 44% entre 2019 e 2022, afectando neste momento quase metade da população, de acordo com os pesquisadores da Afrobarómetro, uma organização internacional com representação no país.
“Cerca de 22% das crianças em Angola ainda se encontra fora do sistema de ensino e 48% das crianças matriculadas não concluem o ensino primário. Apenas 11% das crianças dos três aos cinco anos têm acesso à educação pré-escolar”, descreveu Liberty Chiyaka.
Estes indicadores, de acordo com a declaração política da UNITA, requerem acção, medidas corajosas para se mudar o rumo do país. “Impedir as ONG [Organizações Não-Governamentais] de divulgar o mau desempenho do governo não vai resolver os problemas das pessoas. Fazer show off, quando estamos miseráveis, famintos e falidos, não esconderá a má governação”, declarou a UNITA.
“Podemos realizar dezenas de Conferências Internacionais em Luanda, mas não nos enganemos. Estaremos apenas a colocar o lixo debaixo do tapete para as visitas não verem! Temos de mudar, senhores Deputados! É isto que o povo nos pede”, concluiu.