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As incidências de mais um dia marcado pela repressão policial e pela razão da força bruta contra os manifestantes

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O dia 17 de Junho de 2023 tinha tudo para ficar marcado no plano sociopolítico nacional como sendo aquele em que o país decidiu sair à rua para reivindicar contra três das decisões mais impopulares já tomadas pelo governo do Presidente João Lourenço, desde que chegou ao poder em 2017, a saber: a quase duplicação do preço do litro da gasolina, a proposta do novo estatuto das organizações não-governamentais (ONG) e o condicionamento da zunga (venda ambulante).

Tudo indicava que seria um dia histórico, que ficaria registado como um marco da mobilização e da acção cidadã de grupos da sociedade civil, não fossem os primeiros sinais de nervosismo acusados por estruturas governamentais e por órgãos de defesa e segurança.

O mais estranho destes sinais foi o ofício que o Governo da Província de Luanda (GPL) elaborou, informando aos vários órgãos de defesa e segurança, entre os quais o Serviço de Inteligência e Segurança do Estado (SINSE), sobre o que entendia como estando ‘desconforme’ na nota informativa que recebeu dos promotores da manifestação na capital do país.

Os ‘erros’ a que se refere o documento tinham que ver com “o incumprimento de alguns requisitos constantes na Lei n° 16/91, de 11 de Maio, no n.° 3 do artigo 6.° — ausência de documentos comprovativos da profissão e morada dos promotores; do n.° 2 do artigo 5.° — as manifestações não poderão ter lugar antes das 19h00 horas nos dias úteis e antes das 13h00 aos sábados, salvo em situações devidamente fundamentadas e autorizadas”.

“Embora a mesma se revista das mais nobres intenções, apresenta erros que devem ser suprimidos, pelo que se recomenda a supressão das insuficiências que inviabilizam a sua realização”, concluía o ofício exarado pelo gabinete do governador de Luanda, documento interno que, entretanto, vazou nas redes sociais como uma espécie de ‘aviso à navegação’ de que ‘nada estava garantido até ali’ para os manifestantes.

No entanto, a história por detrás da acção repressiva da manifestação deste sábado, pelo menos em Luanda, começou a ser traçada na tarde de sexta-feira, 16, quando a Polícia de Intervenção Rápida (PIR), à semelhança do que fez em Agosto de 2022, aquando do anúncio dos últimos resultados eleitorais, pôs em marcha um plano de demonstração de força bruta, utilizando vários meios técnico-operacionais e humanos para deixar o aviso e quiçá desmobilizar os manifestantes de que iria agir em força para impedir a marcha.

No Huambo, por exemplo, a acção repressiva começou mais cedo, às 4h00 de sábado, quando efectivos do Serviço de Investigação Criminal (SIC), munidos de mandados de busca e captura, irromperam pelas casas adentro de alguns activistas promotores da manifestação, prendendo-os. No Namibe, idem. Nestas duas províncias foi onde, nos protestos de uma semana atrás, se tinham registado pelo menos nove mortes, entre as quais a de um menor de 12 anos.

Em Benguela, o imbróglio foi a redefinição, à última da hora, do itinerário da marcha, o que levou a que vários moto-taxistas ficassem impedidos de chegar ao perímetro do cemitério da Camunda, onde estavam centenas de manifestantes e moto-taxitas concentrados logo pelas primeiras da manhã.

Concentração na capital

Em Luanda, a concentração dos manifestantes teve lugar defronte ao Cemitério de Santa Ana, por volta das 10h00, numa altura em que a cidade já estava repleta de dispositivos policiais, armados da cabeça aos pés, com claros sinais de que tudo estava pronto para um dia que não seria de uma marcha normal.

Pouco depois das 13h00, quando os manifestantes decidiram pôr em andamento à marcha de protesto, e quando pouco menos de 500 metros tinham sido percorridos, os órgãos policiais decidiram dispersar os manifestantes, disparando em força e sem qualquer tipo de contemplações, granadas de gás lacrimogéneo, assim como feitos vários disparos ao ar.

Nos arredores da Avenida Deolinda Rodrigues, mesmo depois de serem lançadas granadas de gás lacrimogéneo, continuaram as perseguições a manifestantes, assim como iam sendo desfeitas pequenas concentrações de manifestantes que se fizeram depois da acção repressiva. O objectivo era o de impedir que os manifestantes chegassem ao Largo 1.º de Maio.

Vídeos, imagens e relatos publicados em grupos de WhatsApp de membros de organizações da sociedade civil registaram vários incidentes, não só em Luanda, mas por quase todas as províncias do país. As excepções foram o Moxico, Huíla, Cabinda e Kwanza-Norte, onde não houve relatos de incidentes com os órgãos de defesa e segurança.

Em Benguela, o braço de ferro com as autoridades prosseguiu e houve também disparos e dispersão da marcha, com registo de vários detidos. No Huambo, assim como em Luanda, idem. Na capital, por exemplo, houve o registo da detenção de um deputado da UNITA, Domingos Palanga, que esteve durante várias incontactável.

Deputados da UNITA, partido que um dia antes havia dado sinal verde aos seus militantes que quisessem se juntar à marcha, tiveram a andar de esquadra em esquadra ‘advogando’ por aqueles que foram sendo detidos pela Polícia Nacional.

Já pela noite adentro,  em comunicado, a Polícia Nacional justificou a acção de repressão das forças de defesa e segurança devido a actos de arruaças, rebelião e violência contra os seus efectivos.

*Foto Ampe Rogério/Lusa

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