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Annus horribilis: justiça angolana colocada em ‘xeque’ após Exalgina Gambôa ser constituída arguida

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Se por um lado o ano já havia começado mal para a juíza-conselheira presidente do Tribunal de Contas, Exalgina Gambôa, com a informação avançada na noite desta terça-feira, 28, pela Procuradoria-Geral da República (PGR) torna ainda mais trágica a situação já de si putrificada da justiça. Caso para dizer que Angola enfrenta um annus horribilis.

Tudo isso acontece na mais alta esfera da justiça angolana, num país onde o poder político, em 2017, se comprometeu a combater a corrupção, e onde, já há quem assim o diga, o epicentro da corrupção se terá transferido para o sector exactamente que devia dar garantias de que nada mais seria como antes.

A informação posta a circular pela PGR esta terça-feira de que Exalgina Gambôa foi constituída arguida — e já notificada — no âmbito de um processo-crime por alegados actos de peculato, extorsão e corrupção — processo em fase de instrução preparatória — é o corolário de um quadro dantesco e sem precedentes na justiça em Angola.

O processo-crime — que também atinge Hailé Musapé Vicente da Cruz, e acusado pelos crimes de extorsão e corrupção — é parte do resultado de um inquérito que a PGR abriu, após tomar conhecimento de informações e denúncias públicas que davam conta do envolvimento da juíza-conselheira presidente do Tribunal de Contas em actos que configuram ilícitos criminais.

Hailé Musapé Vicente da Cruz — que não foi ainda notificado da sua condição de arguido pela PGR, por se encontrar no exterior do país — é a figura apontada como estando ligada à deslocação de Exalgina Gambôa a Portugal, em 2022, com a finalidade de “tentar desbloquear contas bancárias congeladas por ordem judicial por suspeitas da origem dos fundos”.

Segundo informação avançada pelo África Monitor na altura, os fundos bloqueados em Portugal teriam sido transferidos através do Banco Yetu, onde Hailé Musapé Vicente da Cruz actuou como administrador para Grandes Empresas, Institucional e Canais Electrónicos.

As autoridades judiciais portuguesas teriam bloqueado os valores por suspeitarem que a sua origem tivesse sido o Estado angolano.

Hailé Musapé Vicente da Cruz, que é actualmente administrador na Unitel Money, por indicação da Sonangol, é filho de Exalgina Gambôa.

A demissionária juíza-presidente do Tribunal de Contas já andava debaixo de intensas críticas nas redes sociais desde que o portal de notícias Maka Angola, do jornalista Rafael Marques, trouxe a público revelações bombásticas sobre a forma como a teria gastado, só com mobílias para a casa particular que lhe foi disponibilizada pelo Estado, o equivalente a cerca de quatro milhões de dólares norte-americanos, pagos com o erário, a partir do Cofre Privativo de Justiça.

O assunto resultou em indignação pelo facto de o Tribunal de Contas ser o órgão que tem por finalidade fiscalizar a legalidade dos actos de gestão financeira e administrativa do Estado e demais instituições públicas e privadas que a Lei determinar, mas, entretanto, ser a própria titular a colocar-se à margem do cumprimento destas normas.

Além do caso das transferências de valores para Portugal, a antiga deputada à Assembleia Nacional pela bancada parlamentar do MPLA, que assumiu o cargo de juíza-presidente do Tribunal de Contas em 2018, teria pagado, de acordo com as provas documentais a que o Maka Angola teve acesso, 212,8 milhões de kwanzas (meio milhão de dólares norte-americanos) à empresa Sholin Construções Lda., no dia 5 de Agosto de 2021, via Cofre Privativo do Tribunal de Contas, para a reabilitação da residência de luxo que lhe tinha sido entregue nova.

O Maka Angola apurou que a residência entregue à Exalgina Gambôa, localizada no Condomínio Malunga, é uma das 41 habitações de tipologia-padrão, com 450 metros quadrados e quatro suites, duas salas, cozinha equipada, uma lavandaria com quarto de apoio, além de piscina, zona de churrasco e estacionamento para quatro viaturas.

Exalgina Gambôa teria ainda adquirido mobílias, acessórios e decorações — igualmente pagos pelo Cofre Privativo do Tribunal de Contas — à empresa Annus Mirabilis Decoração, nos dias 26 de Março, 30 de Julho e 17 de Dezembro de 2021, no valor de mil milhões e 426 milhões de kwanzas, num valor total em dólares norte-americanos na ordem dos 3,3 milhões.

O Cofre Privativo de Justiça teria ainda desembolsado, no dia 30 de Julho de 2021, 199 milhões de kwanzas (461 mil dólares) para compra de mobílias à empresa JAV, perfazendo gastos, só em mobiliários, superiores ao valor de aquisição da luxuosa vivenda.

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