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Advogados não ‘baixam a guarda’ e requerem a anulação do despacho que indeferiu liminarmente o pedido de afastamento de Joel Leonardo

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O grupo de advogados que viu a Câmara do Cível do Tribunal Supremo a indeferir liminarmente a ‘Acção popular administrativa’ — que tinha como finalidade a instauração de um processo disciplinar e consequente afastamento do juiz-presidente Joel Leonardo — recorreu do despacho da juíza-relatora, interpondo um ‘recurso ordinário de agravo’, por alegada violação da Constituição da República de Angola e de um conjunto de disposições legais.

No despacho de resposta à acção interposta em Julho do ano passado, cuja decisão foi apenas conhecida em Maio deste ano, a juíza-relatora do Processo n.º 9/23, afecta à 2.ª Secção da Câmara do Cível do Tribunal Supremo, Paciência Simão, de forma resumida’, alegou que o grupo de advogados tinha de ter interpelado previamente o Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ), requerendo a instauração do referido processo contra o juiz Joel Leonardo, e somente caso o pedido não fosse atendido é que devia recorrer àquele tribunal.

Inconformado com o despacho da juíza-relatora, o grupo de advogados —  constituído por José Luís Domingos (eleito em Dezembro de 2023 bastonário da Ordem dos Advogados de Angola), Emiliana Nangacovie, Tânia Canguia e outros — voltou a interpor, nesta terça-feira, 18, um outro requerimento (Recurso ordinário de agravo), no qual contesta a decisão da juíza Paciência Simão, por esta, alegadamente, “confundir  as premissas de uma acção popular com a de um processo de contencioso administrativo”.

Os advogados, que pretendem a condenação do CSMJ à instauração de um processo disciplinar contra o juiz-presidente Joel Leonardo, por suspeitas de alegado desvio de receitas do Tesouro Nacional, consideram que a decisão da juíza-relatora ora recorrida “viola manifestamente o espírito e a letra da Lei da Acção Popular (Lei n.º 10/22, de 3 de Maio), não respeitando nem a sua natureza, nem o processo contencioso que lhe deve estar subjacente”.

“Em relação à natureza, não se deve confundir uma acção popular que tem uma intenção constitucional pública com uma acção do domínio privado, como é a acção de impugnação de actos administrativos e condenação à prática de acto devido. São acções fundamentalmente diferentes, que o acórdão recorrido aqui confunde”, lê-se no documento.

A acção popular é um instrumento constitucional que tem como objecto: evitar um dano ao direito colectivo, quando existe uma ameaça latente de sua vulnerabilidade; fazer cessar o perigo, a ameaça, a vulnerabilidade da lesão do direito colectivo; e restituir as coisas a seu estado anterior, quando o direito colectivo já tiver sido vulnerado.

“É facto público e notório que o Conselho Superior da Magistratura [Judicial] se tem recusado a analisar a questão”

O juiz-conselheiro presidente do Tribunal Supremo, Joel Leonardo, que, por inerência de função, é também o presidente do CSMJ, é suspeito de ter praticado vários crimes, dentre os quais o de peculato, enriquecimento sem causa, abuso de confiança, participação económica de negócio, etc., estando em curso, há mais de um ano, um inquérito levado a cabo pela Procuradoria-Geral da República (PGR).

No despacho de indeferimento liminar da acção intentada pelo grupo de advogados, a juíza-relatora conclui que “da leitura feita ao requerimento inicial e dos documentos que o acompanham, constata-se que os requerentes não lograram juntar qualquer expediente que tenham suscitado junto do CSMJ, para a prática do acto devido”. Um argumento, porém, prontamente rebatido pelo grupo de advogados.

“A Acção popular é uma acção principal e especial, sendo consequentemente autónoma, o que implica que não depende de uma outra acção para solicitar a protecção do direito ou interesse invocado, muito diferente da acção contenciosa iminentemente residual”, assinalam, acrescentando:

“Nesse sentido, a sua limitação legal deve ser restrita, proporcional, e apenas existindo em confronto com outros valores constitucionais fundamentais”.

Sobre a confusão que afirmam existir no argumento da juíza-relatora, os advogados admitem que, sim, que “a Lei da Acção Popular, no seu artigo 3.º, n.º 1, remete para o Código de Processo do Contencioso Administrativo a tramitação da Acção Popular Administrativa”. Contudo, sublinham, “ao interpretar essa remissão, o Despacho Recorrido ignorou o próprio Código”.

“Na verdade, o Código de Processo do Contencioso Administrativo contém um título próprio, o Título VIII, artigos 151.º e seguintes, especificadamente dedicado à Acção Popular, em que não surgem as restrições invocadas pelo aresto Recorrido”, fundamental.

“Aqui está a dita recusa que o despacho recorrido afirma não ter existido. Afinal, existiu e é público e notório, não precisando por isso de ser alegado”

Os advogados defendem que o Tribunal Supremo deveria ter desenvolvido a sua apreciação com base no artigo 151.º e seguintes do Código do Processo e não com base no artigo 82.º, que versa sobre outro tipo de acção. Logo, entendem que “se existe norma especial sobre a acção popular”, não percebem “a razão para se ir buscar uma norma diferente sobre outro tipo de acção, adoptando uma interpretação restritiva do direito de acção popular”.

“Tal restrição é inconstitucional e ilegal, uma vez que se trata um direito fundamental, o que para efeitos de futuro recurso para o Tribunal Constitucional, desde já se alega”, referem.

O grupo de advogados lembra, por outro lado, que é “facto público e notório que o Conselho Superior da Magistratura [Judicial] se tem recusado a analisar a questão”, uma vez que, a 22 de Maio de 2023, a Comissão Permanente do CSMJ notificou o Plenário do Tribunal Supremo para dar conhecimento de uma resolução em que não dava provimento ao expediente subscrito por nove juízes daquele tribunal para afastamento de Joel Leonardo.

“Aqui está a dita recusa que o despacho recorrido afirma não ter existido. Afinal, existiu e é público e notório, não precisando por isso de ser alegado”, escrevem.

Em conclusão, os advogados defendem que “é inconstitucional aplicar eventuais restrições ao direito de acção popular que estejam previstos na acção de impugnação de actos administrativos e condenação à prática de acto devido”.

“A isto acresce que o próprio Código do Contencioso Administrativo contém um Título Próprio sobre a Acção Popular, que o Tribunal Supremo ignorou e não podia ignorar, cometendo um erro ao não considerar essas normas especiais e remeter-se a normas duma acção doutro tipo.

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