MPLA responde com silêncio ao caso da rede de burlões do partido e não se sabe se manda devolver ou não o imóvel usurpado
Uma semana depois da publicação do escandaloso caso da rede de burlões que se apoderavam de imóveis de particulares em Luanda em nome do partido no poder, o MPLA continua sem reagir “oficialmente” à denúncia deste portal, recusando-se inclusive a responder a dois questionários enviados ao seu porta-voz, Esteves Hilário.
Na passada sexta-feira, 19, o !STO É NOTÍCIA revelou em exclusivo o caso de uma rede de burlões com ligações ao MPLA, co-liderada pelos militantes Antónia da Graça Botelho e Luís Patrício Botelho (mãe e filho), envolvidos num sofisticado e arrojado esquema de usurpação do imóvel onde funciona o Comité de Acção do Partido (CAP) n.º 24, localizado na Rua Clube Marítimo 26-A, na fronteira com as Torres do Carmo, na baixa de Luanda.
Antes da publicação da matéria [ver aqui a notícia original], este portal tentou, mas sem sucesso, apurar junto do porta-voz do MPLA, Esteves Hilário, os bastidores do caso, disponibilizando inclusive documentos de prova que a firma de advogados do empresário Walter Ferreira da Conceição, lesado, tentou fazer chegar à direcção do partido no poder, no período que vai de 2020 a Agosto de 2025, a denunciar a situação.
“Infelizmente, há muita gente a usar indevidamente o bom-nome do partido para fins estranhos”
Após a publicação do caso, este portal voltou a questionar o porta-voz do MPLA que, apesar da promessa de um esclarecimento público do assunto, se manteve em silêncio até esta sexta-feira, 26, isto é, uma semana depois da referida denúncia ter sido divulgada.
“Vou ler, mas posso avançar que não tem qualquer ligação ao partido. Nunca comprámos este imóvel”, foi a resposta, informal e em jeito de comentário, dada por Esteves Hilário no dia 19 de Setembro do corrente ano, ao tomar contacto com a matéria, a qual, minutos depois, veio a acrescentar:
“Infelizmente, há muita gente a usar indevidamente o bom-nome do partido para fins estranhos”.

Depois destas declarações a título informal, o porta-voz do MPLA não mais respondeu a nenhuma das tentativas de contacto ou questionamento por escrito, nem tão-pouco se propôs a informar se já estava em curso alguma investigação ou inquérito sobre o assunto, ou se ao menos o CAP 24 iria continuar a funcionar no imóvel usurpado, até decisão judicial.
O facto é que, ao longo desta semana, este portal esteve a monitorizar o imóvel e ainda lá estão as bandeiras do MPLA, da OMA e da JMPLA, assim como continua em funcionamento a loja ‘Bem Me Quer’, cuja cedência do espaço havia sido feita pela rede de burlões por orientação, segundo disseram a este portal, do partido.
O !STO É NOTÍCIA tentou voltar ao contacto esta semana com Antónia da Graça Botelho e com Luís Patrício Botelho, os cabecilhas da trama, mas sem sucesso também, tudo porque Antónia da Graça Botelho não atende as chamadas e nem responde às mensagens enviadas via WhatsApp.
Luís Patrício Botelho, por sua vez, que assumia o papel de front officer, uma espécie de ‘homem da linha da frente’ na trama golpista — que já havia bloqueado as chamadas do telefone usado por este portal na rede normal e apagado a conta na rede WhatsApp associado ao seu contacto — bloqueou esta semana também o seu perfil na rede social Facebook (ver aqui).
A rede de burlões filiados ao MPLA ocupa, desde 2016 o imóvel, propriedade do empresário Walter Ferreira da Conceição, com quem, à data dos factos, haviam iniciado negociações para a aquisição do prédio urbano n.º 3375, localizado na Ingombota.
Quando abordado por este portal, Luís Patrício Botelho, que continuava a falar em nome do partido no poder, chegou a facultar uma cópia falsa de um alegado contrato promessa de compra e venda (ver aqui) , supostamente assinado pela mãe e pelo empresário Walter Ferreira da Conceição.

Para tal, usaram a correctora imobiliária Sandra da Cunha da Conceição para que esta, junto de Walter Ferreira da Conceição, estabelecesse os termos de compra do imóvel, que seria supostamente pago pelo então Ministério dos Petróleos — informação, entretanto, já desmentida pelo actual Ministério dos Recursos Minerais, Petróleo e Gás —, por alegada orientação do antigo Presidente José Eduardo dos Santos.
O negócio não avançou, porque, entretanto, a correctora imobiliária passou a receber ameaças de Luís Patrício Botelho, mal teve acesso à documentação do imóvel, que havia sido solicitada ao empresário para aferir a sua autenticidade junto do Gabinete Jurídico do Governo da Província de Luanda (GPL).
E foi junto do GPL que a rede de burlões tentou a ‘proeza’ de fazer a transferência do Título de Direito de Superfície (ver aqui) do imóvel para o nome de Antónia da Graça Botelho, apresentando um requerimento falso (ver aqui), em como o empresário Walter Ferreira da Conceição fazia a solicitação, porém, os contactos telefónicos que estavam no referido expediente pertenciam aos burlões.
A rede de burlões falsificou ainda uma procuração irrevogável (ver aqui), que foi apresentada ao GPL juntamente com o requerimento, além de ter tentado alterar os dados do imóvel na base de dados da Conservatória do Registo Predial de Luanda (ver aqui) — só tiveram sucesso na alteração do número telefónico — e também realizado o pagamento do Imposto Predial (ver aqui) em nome de Antónia da Graça Botelho, como suposta titular do prédio urbano.
Na fase das negociações, os burlões usaram o argumento de que a decisão da alegada compra do imóvel teria sido uma orientação dada pela direcção do partido no poder, de modo a que o CAP 24 se juntasse ao leque de estruturas partidárias que dariam suporte à candidatura de João Lourenço às eleições presidenciais de 2017.
Juíza “indefere liminarmente providência cautelar”
Há quase dois anos, isto é, a 25 de Setembro de 2023, a juíza de direito Sílvia Francisco, da 1.ª Secção da Sala do Cível do Tribunal da Comarca de Luanda, indeferiu liminarmente uma providência cautelar não especificada (ver aqui), intentada pelos advogados do empresário Walter Ferreira da Conceição. Na sentença n.º 467/23, em relação ao Processo n.º 0199/2023-A, a juíza de direito alegou “a ausência do fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do direito do requerente”.
Não satisfeitos, os advogados do empresário interpuseram um recurso de agravo, que aguarda por uma decisão há dois anos.