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Uma incongruência económica grave

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A indicação oficial pelo INE (Instituto Nacional de Estatística,) da ocorrência duma queda significativa do PIB real angolano no trimestre terminado em 31 de Maio, mereceu o comentário, proveniente do gabinete de estudos económicos do Banco Fomento Angola (BFA), que citamos. “Essa queda do PIB é originária da diminuição do volume produzido de crude, o que, por efeito contabilístico, (…) leva a uma quebra na actividade económica medida, apesar de um claro aumento este ano (…) das receitas petrolíferas em divisas, pois a contabilização para efeitos do PIB será sempre negativa porque o volume, em barris, do crude exportado está em queda.”

Segundo esta citação, o INE indica, dum lado, o aumento da quantidade de divisas na balança comercial angolana, durante o referido trimestre, e esse instituto alega, doutro lado, que a significativa diminuição simultânea na quantidade física de crude angolano exportado teria provocado a diminuição também significativa do PIB real de Angola. O objecto deste escrito é, demonstrar como, esta alegação e aquela indicação, do INE, são mutuamente incongruentes.

Começamos com o conhecimento do que é o PIB. Esta grandeza económica constitui o somatório dos fluxos das produções, que têm lugar nas firmas de um país durante um ano. A mensuração do PIB articula duas unidades de medida.

A primeira unidade de medida é física, pois constituem as unidades dos novos bens, que são os resultados da produção. As unidades de bens só são adicionáveis, se estes forem homogéneos. Essa homogeneidade significa que, a quantidade de qualquer bem é o número de seus exemplares. Existe a distinção entre os bens intermediários e os bens finais, que deriva da visão do processo produtivo como um rio. Os bens intermediários situam-se a montante desse rio, com forma passageira, pois saem de uma produção, para desaparecerem na produção de outros bens, mais elaborados. O exemplo mais corrente de bens intermediários é as matérias-primas. Os bens finais adquirem forma definitiva a jusante do rio da produção. Há dois tipos de bens finais: os bens de consumo e os bens de capital. Os bens de consumo são, obviamente, aqueles que as firmas oferecem aos consumidores. Os bens de capital, cujas transacções ocorrem no circuito fechado das firmas, são os novos instrumentos e equipamentos do trabalho.

A segunda unidade de medida, articulada na mensuração do PIB, é a unidade de moeda, com a qual se exprime os preços unitários dos bens. O preço unitário de um bem é o valor da respectiva unidade física de medida. O valor da quantidade de um bem, presente no mercado comercial, consiste no preço, com que esta coisa física é transaccionada. Os preços dos bens intermediários estão incluídos nos preços dos bens finais, pelo que o economista computa o PIB, considerando apenas os bens referidos em segundo lugar, de modo a evitar o múltiplo emprego de preços.

Esse cômputo é a Contabilidade Nacional.[1] Esta constitui a disciplina aplicada mais nobre da ciência económica, porque aplica a lei macroeconómica fundamental, de acordo com a qual o fluxo físico de produção num país durante um período é simultâneo ao fluxo da formação do rendimento monetário da respectiva população. Este poder de compra é a soma dos fluxos de pagamentos, que as firmas dirigem à população, de salários, rendas (urbanas e fundiárias) e lucros.

A metodologia da Contabilidade Nacional assenta em três regras.

Em primeiro lugar, temos a regra metódica que, os preços dos bens são determinados nos pontos onde as respectivas curvas da procura e da oferta interceptam-se. Essa intercepção é o que os economistas chamam de lei da oferta e da procura. Os conhecimentos relevantes desta lei, sob ponto de vista macroeconómico, são os seguintes. A oferta dos bens considerados no PIB é proveniente das firmas. A procura por esses bens constitui o exercício do poder de compra do rendimento monetário da população. O primeiro conhecimento deriva da definição do PIB e não é difícil explicar o segundo conhecimento. Com efeito, o rendimento da população é bifurcado entre a oferta de sua poupança e a procura dos consumidores. Estes indivíduos procuram, obviamente, por os bens de consumo, e a poupança da população financia o investimento das firmas, o que constitui a procura por bens de capital.

Em segundo lugar, temos a regra metódica, que concerne a análise do crescimento económico, entre PIB nominal e o PIB real. O PIB nominal é medido com as variáveis das quantidades dos novos bens finais, oferecidas pelas firmas dum país num determinado ano, e dos respectivos preços unitários. A medida do PIB nominal é insatisfatória, pois se esta variável aumenta 20%, por exemplo, no ano corrente, em comparação com a variável homóloga do ano precedente, então é impossível saber, quanto desse aumento nominal envolve aumento real na quantidade física de bens produzidos na economia, pois esse conhecimento quantitativo depende do dado suplementar da modificação no nível de preços. O aumento anual do PIB real é obtido com a comparação entre as produções de bens finais num ano e no ano precedente, utilizando preços do ano referido em segundo lugar. Se na aludida economia o nível de preços subira 25% no ano corrente, comparativamente ao ano precedente, então o PIB real decresceu quase 5% no ano referido em primeiro lugar, apesar do aumento 20% do respectivo PIB nominal. Na prática utiliza-se os preços de um ano de base, para medir a sucessão do PIB real nos anos seguintes.

Em terceiro lugar entra a regra metódica das modificações dos fluxos da oferta e da procura, que derivam de, as economias concretas, dos diversos países, estarem abertas aos fluxos da balança comercial, que constitui a diferença de exportações de bens menos importações de bens. A abertura da economia modifica a medição do PIB, pois o rendimento integral da população de um país só atrairia todos bens finais produzidos no respectivo território, se a respectiva economia estivesse fechada ao comércio exterior. De facto, quem procura por os bens que exporta uma economia aberta, são os importadores estrangeiros. Essa é, aliás, a razão de todos bens exportados serem finais, sob a óptica do país exportador. Em contrapartida, a procura da população residente não atrai apenas bens produzidos no respectivo país, mas também os bens importados. Em conformidade, a medida do PIB numa economia aberta comporta, dum lado, o grupo das fatias positivas, as quais são: (1) a procura dos consumidores, (2) o investimento das firmas, (3) a procura pelo Governo por bens e serviços e (4) a exportação, e doutro lado, a fatia negativa, que é (5) a importação.

A maneira mais simplificada de medir o PIB adopta, todavia, a partição simplificada do produto, a qual abstrai da fatia negativa, os bens importados, porque considera apenas as duas fatias positivas complementares, as quais são: a fatia (1) dos bens domésticos e a fatia (2) dos bens exportados. Os bens domésticos são os que, tendo sido produzidos num país, não são exportados. A partição do PIB entre bens domésticos e bens de exportação permite visualizar que a saída do produto exportado, para fora do território nacional, implica a entrada de divisas, designadamente dólares, na balança comercial do respectivo país. Esta implicação significa que, as divisas preenchem na balança comercial o lugar deixado vago pela exportação na oferta de bens à respectiva população. É por isso que, apesar de o dólar ser emitido apenas nos Estados Unidos, têm lugar produções desta unidade monetária nos sectores exportadores das economias do Resto do mundo, definido sob o ponto de vista daquele país. O Resto do mundo é singularizado, contudo, sob a óptica dos diversos países. Cada país consome de três maneiras as divisas que produz: ou realizando importações, ou realizando investimento directo no Resto do mundo ou constituindo reservas de divisas, que podem ser ou oficiais ou privadas.

Aqui entra o conhecimento crucial de, a segunda modalidade de partição do PIB implicar as utilizações, no cômputo desta grandeza económica, dum lado, dos preços unitários e das quantidades físicas dos bens finais, para computar o produto doméstico, e doutro lado, da taxa de câmbio e da quantidade de divisas que substituem o produto exportado, para computar esta variável.

Os economistas do INE desconhecem aquele conhecimento crucial, porque eles cometem a incongruência grave de julgar, ingenuamente, que a população angolana procuraria por todo produto produzido em Angola, apesar de a economia deste país ser muito exportadora. Esse juízo ingénuo é a implicação indelével de, o INE calcular o PIB, utilizando, invariavelmente, os preços unitários e as quantidades físicas dos bens finais que compõem, tanto o produto doméstico, quanto o produto exportado. Como vimos, este procedimento apenas é aplicável no cômputo do produto doméstico, pois as variáveis dos preços unitários e das quantidades dos bens exportados concernem a economia importadora. As variáveis concernentes, homologamente, na economia exportadora são, dum lado, a taxa de câmbio, e doutro lado, a quantidade das divisas que substitui os bens exportados na oferta de produto à população. Vamos exemplificar as duas variantes da incongruência grave do INE.

Quando a variável do número de barris de crude angolano exportado diminui, mas a variável do preço internacional desse bem aumenta, inversamente, numa proporção superior à daquela diminuição, como se passou durante o trimestre referido no comentário do BFA, então o INE alega a diminuição da fatia exportada do PIB real de Angola. Mas esta alegação é falsa, porque a combinação das variações nas variáveis referidas em primeiro e em segundo lugares significa o aumento de dólares na balança comercial de Angola, o que constitui aumento da fatia exportada do PIB real, se entretanto a taxa de câmbio da moeda angolana não revalorizar mais, proporcionalmente, em comparação com o aumento da entrada de dólares no país, pela via do seu comércio exterior. A recente incongruência económica grave do INE, cuja ressonância é o referido comentário proveniente do BFA, constitui a variante de subavaliação do PIB real de Angola.

No entanto, em 2014, 2015 e 2016, o INE cometera a variante contrária, que consiste na sobreavaliação do PIB real. Em meados do ano referido em primeiro lugar, ocorreu o maior choque petrolífero de todos os tempos, que consistiu na queda abrupta do preço internacional do ouro preto. Pelo facto de a quantidade de crude angolano exportado ter aumentado, um pouco, durante aqueles três anos, o INE alegou que, a fatia exportada do PIB real de Angola teria crescido moderadamente. Como entretanto o produto doméstico também crescera, com moderação, então o INE indicou a subida do PIB real naquele período. Esta indicação é patética, pois toda a população apercebeu, em 2014, como a economia angolana tinha entrado na grande recessão, cuja consequência consistiu no tombo tremendo do respectivo PIB real, seguida nos dois anos seguintes de estacionamento desta variável no soalho onde caíra. Na verdade, ao invés de ter aumentado moderadamente, a dose exportada do PIB angolano diminuíra muito, já que verificou-se grande diminuição de divisas na balança comercial de Angola.

Ambos sentidos da incongruência dos economistas do INE, ou sobreavaliação ou subavaliação do PIB real, são erros crassos de grande gravidade, dada a enorme importância de que releva a medição tempestiva desta grandeza económica na elaboração da política económica do Governo. Chegamos à triste conclusão de, este exercício económico, que é tão marcante da vida económica duma nação, não ser elaborado em Angola a partir da medida inteligível do PIB.[2]

O INE julga estar protegido, intelectualmente, da crassidão escondida detrás daquilo que nós acusamos ser uma incongruência económica grave, pois em Angola a maioria de economistas corrobora sua medida ininteligível do PIB real.[3] Mas esta protecção intelectual é ilusória, porque a ciência não é democrática, já que são os cientistas excelentes, quem domina o conhecimento científico.

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[1] Nós prometemos publicar, dentro de poucas semanas, um pequeno livro consagrado à Contabilidade Nacional.

[2] Além de encerrar a incongruência apontada, a medida pelo INE do PIB angolano também encerra os defeitos seguintes: o erro de inclusão do trabalho dos funcionários públicos na medida do PIB nominal; a indeterminação do investimento privado; o erro na quantificação de deflator do PIB nominal. A reunião de todos esses defeitos teóricos significa que, são asneirentas as medidas pelo INE do PIB de Angola, tanto nominal, quanto real.

[3] Limitamo-nos aqui a referir que, entre os adeptos da metodologia enganadora de Contabilidade Nacional do INE, contam-se o Sr. Alves da Rocha e o Sr. Rosado de Carvalho, pois eles são, incontestavelmente, os dois mais prestigiosos economistas angolanos da actualidade!

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