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Ucrânia. Reacção ‘não-alinhada’ de países africanos não surpreende, defendem especialistas

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Quase metade dos países africanos escolheram não apoiar a resolução das Nações Unidas que condenou a invasão russa da Ucrânia, algo que especialistas ouvidos pela Lusa dizem não surpreender

“O instinto de muitos países Africanos é o não-alinhamento e este voto não foi uma surpresa”, disse à Agência Lusa o director do Programa Africano da Chatham House, Alex Vines.

A Rússia lançou, na madrugada de 24 de Fevereiro, uma ofensiva militar na Ucrânia, que já matou mais de 2.000 civis, incluindo crianças, e já provocou mais de um milhão de refugiados.

Poucos países africanos condenaram oficialmente a guerra, ao contrário do Ocidente, que reagiu com veemência, sanções, pedidos de investigações sobre crimes de guerra e ameaças de fazer parar a economia russa.

Apenas 28 dos 54 Estados do continente aprovaram, na quarta-feira, uma resolução da Assembleia-Geral da ONU que condena a invasão e exige a retirada imediata das tropas russas.

Dos 193 Estados-membros das Nações Unidas, 141 apoiaram o texto e apenas cinco votaram contra: a própria Rússia, Bielorrússia, Síria, Coreia do Norte e a Eritreia, um dos regimes mais herméticos do mundo.

Entre os 54 países africanos, 16 abstiveram-se: Argélia, Angola, Burundi, República Centro-Africana, República do Congo, Madagáscar, Mali, Moçambique, Namíbia, Senegal, África do Sul, Sudão do Sul, Sudão, Uganda, Tanzânia e Zimbabué.

Além disso, os lusófonos Guiné-Bissau e Guiné Equatorial, além do Burkina Faso, Essuatíni, Etiópia, Guiné-Conacri, Marrocos, Camarões e Togo não participaram na votação.

“Tem que ver com questões históricas, com alianças históricas, e também com questões económicas atuais de ligação à Rússia”, disse à Lusa a investigadora Ana Lúcia Sá, do Centro de Estudos Africanos do Instituto Universitário de Lisboa.

Muitos países africanos têm ligações históricas com a Rússia, devido à participação da União Soviética nas lutas de libertação colonial, e alguns dos líderes africanos atuais estudaram na União Soviética, que durante a Guerra Fria se apresentava como baluarte contra o neocolonialismo ocidental.

Neste contexto, Alex Vines não se surpreende que uma parte significativa dos países africanos tenha mantido, na votação de quarta-feira, uma posição de não-alinhamento, nomeadamente países como Angola, Moçambique ou outros governos saídos dos movimentos de libertação, como a Namíbia, África do Sul ou o Zimbabwe.

O especialista lembra até que houve mais países africanos a apoiar a resolução de quarta-feira do que os que, em março de 2014, votaram a favor da resolução sobre a anexação russa da Crimeia.

Nessa altura, apenas 18 países africanos votaram a favor da resolução e dois — Sudão e Zimbabwe – votaram contra.

O investigador mostrou-se apenas surpreendido com a abstenção do Senegal e com o voto contra da Eritreia.

“Esperava que o Senegal votasse ao lado da Costa do Marfim, do Gana e da Nigéria em apoio da resolução”, disse Vines, admitindo que a opção de se abster possa significar que Dacar procura diversificar mais as suas relações internacionais.

Quanto à Eritreia, o especialista diz que o país “se especializou em ser uma exceção, joga com sua reputação de ‘reino eremita’”, devendo esperar “extrair alguma recompensa da Rússia” com o seu voto.

Questionado sobre se as atuais relações económicas e militares entre Moscovo e os Estados africanos poderão ter tido influência na votação, Vines lembrou que três dos países que a Rússia tem “cultivado” — República Centro-Africana, Sudão e Mali, acabaram por se abster e não votar contra a resolução.

Ana Lúcia Sá, questionada sobre eventuais consequências do não-alinhamento de uma parte dos países africanos para as relações com o Ocidente, lembrou que as relações com o continente africano “têm sido muito mais pragmáticas do que ideológicas”, pelo que se for útil uma relação económica forte, estas posições não deverão provocar danos. “Por isso é que são abstenções e não votos contra”, disse.

FPA // VM

*Texto Agência Lusa

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