Joel Leonardo usou a mulher e um filho menor de Ambrósio de Lemos no exterior do país para desviar perto de 50 milhões de kwanzas do Tribunal Supremo
O juiz-conselheiro presidente do Tribunal Supremo (TS), Joel Leonardo — figura sobre a qual recaem graves acusações de alegadas práticas de corrupção durante os exercícios económicos de 2021, 2022 e início de 2023 —, recorreu, há dois anos, a uma ‘engenharia financeira’ que lhe permitiu subtrair da conta bancária daquela instância judicial perto de 50 milhões de kwanzas. Deste valor, 35 milhões de kwanzas foram pouco tempo depois transferidos para o exterior do país.
A operação, descoberta durante as investigações levadas a termo pela Equipa de Perícia da Procuradoria-Geral da República (PGR), envolveu uma empresa pertencente a um sobrinho por afinidade do juiz-presidente do Tribunal Supremo, a própria mulher de Joel Leonardo e um filho menor do ex-comandante-geral da Polícia Nacional (PN) Ambrósio de Lemos, nascido e residente na capital portuguesa, Lisboa.
Para um melhor entendimento da engendrada ‘engenharia financeira’ usada por Joel Leonardo, é preciso recorrer aos laços familiares, às relações de afinidade entre os sujeitos envolvidos e, sobretudo, à árvore genealógica dos sócios da empresa que serviu de ‘veículo’ para a saída do dinheiro da conta do Tribunal Supremo, domiciliada no Banco de Comércio e Indústria (BCI), para o exterior.
O juiz Joel Leonardo é casado com Isabel Domingos Gamboa Leonardo, e esta, por sua vez, tem como irmã a cidadã angolana Ana Domingos Gamboa, mãe de Valdano Humberto de Jesus Kanjinji, sócio maioritário (80%) da sociedade comercial por quotas ‘Maiva – Gestão e Investimentos, Limitada’., com a qual o Tribunal Supremo mantinha um alegado contrato de prestação de serviços à data dos factos.
Por força do matrimónio que contraiu com Isabel Domingos Gamboa Leonardo, o juiz-conselheiro presidente do Tribunal Supremo tem como padrinho o ex-comandante-geral da PN Ambrósio de Lemos Freire dos Santos, pai do adolescente Ambrósio Júnior de Lemos Freire dos Santos, cidadão português, nascido a 12 de Novembro de 2007, em Lisboa.
Actualmente com 16 anos de idade, Ambrósio Júnior de Lemos Freire dos Santos é futebolista, joga como médio no escalão ‘Júnior B’ do Centro Escolar Republicano Tenente Valdez — um conceituado complexo desportivo, situado na Pontinha, no município de Odivelas, em Lisboa.
Engenharia financeira
Posto isso, voltemos então à história da ‘engenharia financeira’: a 22 de Dezembro de 2022, a Maiva – Gestão e Investimentos, Lda., (cujo detentor dos outros 20% da quota societária é o cidadão Victor Domingos Malutidi), recebeu da conta bancária n.º 0011395571005 do Tribunal Supremo, com domicílio no BCI, a quantia monetária de 49 740 000,00 kz (quarenta e nove milhões e setecentos e quarenta mil kwanzas).
Vinte e seis dias depois, isto é, no dia 16 de Janeiro de 2023, a Maiva – Gestão e Investimentos, Lda., transferiu para uma conta com domicílio no Banco BIC, titulada por Isabel Domingos Gamboa Leonardo, a quantia de 40 000 000,00kz (quarenta milhões de kwanzas).
Quatro dias após a recepção do valor, Isabel Leonardo transferiu 35 milhões de kwanzas para o exterior em cinco tranches, realizadas nos dias 20, 23, 24, 25 e 26 de Janeiro de 2023. O valor foi transferido a favor do menor Ambrósio Júnior de Lemos Freire dos Santos.
Os outros 5 000 000,00 kz (cinco milhões de kwanzas) acabaram na conta de Severino Lino Kayanga. Sobre esta figura sabe-se apenas que se trata de um cidadão angolano, residente em Luanda, no bairro Calemba, titular único da sociedade comercial S.L.K Comercial, com sede no Lobito, em Benguela.
Serviços suspeitos
Para além dos 49 740 000,00 kz, a Maiva – Gestão e Investimentos, Lda., recebeu mais duas outras despesas, ambas no valor de 12 435 000,00 kz (doze milhões, quatrocentos e trinta e cinco mil kwanzas) cada, perfazendo um total de 24 870 000,00 kz (vinte e quatro milhões, oitocentos e setenta mil kwanzas), “alegadamente para pagamentos de serviços prestados na área de limpeza e higienização no Tribunal da Relação de Luanda”.
Sobre estes serviços, chamou “a particular atenção o valor dos serviços cobrados, sendo que em termos infra-estruturais o Tribunal da Relação de Luanda é menor em termos de superfície e espaço” em comparação com “outros edifícios em que alegadamente prestava serviços, nomeadamente o Tribunal Supremo e o Conselho Superior da Magistratura Judicial”.
No total, a empresa Maiva – Gestão e Investimentos, Lda., recebeu um total de 74 610 000,00 kz (setenta e quatro milhões, seiscentos e dez mil kwanzas), a cujos comprovativos da prestação de serviços, isto é, facturas e outros documentos de prova, a Equipa de Perícia da PGR não conseguiu ter acesso.