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EUA. Torna-se agente infiltrada após noivo (polícia) a alvejar dez vezes

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Katrina Brownlee, uma sobrevivente de violência doméstica, tornou-se uma agente da polícia de Nova Iorque após ser baleada dez vezes pelo ex-noivo. Hoje, dedica sua vida ao activismo e à mentoria de mulheres que passaram por situações semelhantes.

Katrina Brownlee estava grávida de cinco meses, quando o seu ex-noivo a atacou. Tinha 22 anos, na altura, e já era mãe de duas meninas, com as quais vivia nas ruas de Nova Iorque, por não ter dinheiro.

Foi numa manhã fria de Janeiro de 1993 que Katrina decidiu regressar à casa que partilhava com o ex em Long Island, no estado norte-americano de Nova Iorque.

“Eu só queria reaver o pouco que tinha”, contou ao The Guardian. “Eu não tinha dinheiro, era sem-abrigo, estava grávida, com duas crianças pequenas. Estava numa má altura”, acrescentou.

O seu ex deixou-a entrar dentro da casa sem fazer alarido. Katrina ia com a filha mais nova, de apenas dois anos. A mais velha, de sete anos, tinha ficado a brincar com um amigo, na casa dos pais dele.

Lá dentro, Katrina deixou a filha no quarto que tinha sido da sua mais nova e foi até ao de casal, onde tinha os seus pertences – mas as gavetas estavam vazias. A mulher de 22 anos saiu do quarto à procura do seu ex para exigir explicações. Encontrou-o na sala, com uma arma apontada diretamente à sua barriga.

Katrina tinha conhecido o ex-noivo com 18 anos. Ele era seis anos mais velho, tinha um bom carro e fazia carreira como guarda prisional. Era um símbolo de estabilidade, algo que Katrina – cuja mãe a tinha abandonado no hospital em recém nascida – nunca tinha tido.

Katrina foi alvejada dez vezes no espaço de uma hora e meia

O homem disparou três vezes. Katrina conta que se lembra do cheiro a fumo, de ver a sua barriga de grávida a “ficar lisa” e de estranhar o facto de não haver sangue.

Movida pela adrenalina, ou pelo seu instinto de sobrevivência, a mulher conseguiu trancar-se no quarto de casal, onde tentou ligar para as autoridades, mas sem sucesso. O seu ex tinha, de alguma forma, interferido com a rede móvel.

De seguida, tentou escapar pela janela do quarto, mas, mais uma vez, o seu ex tinha antecipado a tentativa: as janelas estavam fechadas com pregos.

Foi nessa altura que Katrina começou a gritar, por si e pela sua filha que, “miraculosamente” permaneceu quieta no quarto ao lado. Na sua cabeça só pensava que o homem ia conseguir matá-la e à sua filha sem que ninguém se apercebesse que algo estava errado “Ninguém sabia que eu estava lá. Ninguém nos ia visitar”, recordou.

Na hora e meia de terror que se seguiu, Katrina foi baleada outras sete vezes: uma no braço, uma na nádega, uma na anca e quatro vezes na vagina.

“Não queres estar comigo?”, perguntou o homem durante o ataque. “Eu dei-te tudo o que querias, e mesmo assim não foi suficiente!”

Katrina acabou por perder os sentidos. Foi encontrada mais tarde na banheira pelo ex de uma prima, que tinha falado com o parceiro de Katrina horas antes e ficou alarmado com o tom do homem. Foi ele que a levou para o hospital e – de certa forma – lhe salvou a vida.

Parceiro tinha historial de violência. Polícia nunca ajudou

A relação com o seu ex-noivo nunca tinha sido fácil. Katrina descreve-o como um homem de temperamental, rápido a zangar-se e a tornar-se violento.

Durante os quatro anos em que estiveram juntos, a mulher chamou a polícia três vezes devido a situações de violência doméstica. Os agentes chegavam, o seu então noivo mostrava o distintivo e tudo ficava na mesma.

Katrina ficou nove dias em coma depois da agressão. Acordou ainda atordoada, sem saber muito bem onde estava ou o que tinha acontecido. Mesmo assim, havia notícias que não podiam esperar: a filha que tinha no ventre não tinha sobrevivido e Katrina nunca mais voltaria a andar. Seis das dez balas disparadas continuavam (e continuam até hoje) no seu corpo.

O internamento da mulher cuja sobrevivência era considerada um “milagre” pelos médicos durou três semanas. Durante esse período começou um processo de fisioterapia que, apesar de parecer inútil no início, começou a dar frutos. No final do verão, Katrina conseguia andar sem qualquer tipo de ajuda.

Enquanto isso, começava o julgamento do seu agressor. Em vez da sentença entre 25 anos a prisão perpétua, o júri decidiu que o homem iria cumprir entre 5 a 15 anos na cadeia. O ex-noivo acabou por cumprir 10 anos de prisão pelos crimes.

Katrina torna-se agente na polícia de Nova Iorque

Katrina só começou a reconstruir a sua vida vários anos depois. Foi apenas aos 27 anos que decidiu entrar na academia de trânsito do departamento policial de Nova Iorque e começar aulas noturnas durante a noite para terminar o secundário (algo que só conseguiu com a ajuda do então namorado). Pouco depois, realizou e passou no exame para polícia, tornando-se uma agente da autoridade em 2001.

“Queria ser uma boa polícia”, explicou sobre o que a tinha motivado. “Se uma pessoa como eu não entra e tenta colmatar as diferenças entre a comunidade e a polícia, então quem é que o faz?”

Katrina destacou-se como polícia infiltrada, especialmente nas áreas do narcotráfico e do combate à prostituição. Nesse mundo conhece diversas mulher que “tinham histórias semelhantes”: “A maioria, se não todas, tinham sofrido algum tipo de abuso ou negligência”.

Após 20 anos no serviço, Katrina decidiu sair da força em 2021.

Agora, com 55 anos, dedica a sua vida ao activismo e à mentoria de mulheres que passaram por situações semelhantes à sua, falando abertamente sobre o seu passado e a violência que sofreu. Katrina defende nova legislação que proíba que pessoas condenadas por violência doméstica tenham acesso a armas de fogo e ainda a criação de um registo de acesso (semelhante àquele que existe para crimes sexuais) para estas condenações.

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A violência doméstica é crime público e denunciar é uma responsabilidade coletiva. Se precisar de ajuda ou tiver conhecimento de alguma situação de violência doméstica alerte as autoridades.

LUSA

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