Sérgio Piçarra recusa condecoração de um governo que “mantém a imprensa pública enjaulada e reprime manifestações pacíficas”
O cartoonista angolano Sérgio Piçarra não vai marcar presença na ‘4.ª Cerimónia de Condecoração no âmbito das Comemorações dos 50 Anos da Independência Nacional’, agendada para os dias 18 e 19 de Julho do corrente ano, como sinal de protesto contra a forma como o governo angolano tem condicionado a actuação dos media públicos e reprimido manifestações pacíficas.
Através de uma nota pública, Sérgio Piçarra — um dos vencedores da edição 2020 do Prémio franco-alemão dos Direitos Humanos e do Estado de Direito —, anunciou a recusa, agradecendo à Presidência da República pela honra da colocação do seu nome na lista das condecorados, porém, evoca “razões de consciência” para declinar a medalha distintiva que lhe fora reservado.
“Informo, porém, que por razões de consciência, sou obrigado a recusar tal condecoração por não fazer sentido receber uma medalha das mãos do mais alto representante de um governo que não permite que eu publique o meu trabalho no Jornal de Angola, que não permite que a TPA e as suas congéneres reportem o lançamento dos meus livros, que não me entrevistem, que mantenha os órgãos de informação estatais (pagos por todos nós) como máquinas de propaganda ao seu único e exclusivo serviço”, justifica na nota.
Para o artista, o actual contexto político angolano, marcado por uma postura intolerante por parte do governo, deixa-o com pouca margem para aceitar a referida distinção.
“Aceitar uma medalha nestas condições em que se pretende homenagear a liberdade de expressão ao mesmo tempo que se mantém a imprensa pública enjaulada e se reprimem manifestações pacíficas; ou ainda quando se exclui parte da nossa história na atribuição dessas mesmas condecorações, seria uma incoerência da minha parte que o Mankiko e a Fatita, mas sobretudo a Esperança e o Futuro, não me perdoariam”, exprime o artista, citando alguns dos seus personagens mais icónicos.
Apesar de recusar a medalha alusiva aos 50 Anos da Independência Nacional, Sérgio Piçarra alimenta, no entanto, a esperança de que num futuro próximo vir a aceitá-la, porém, “num momento de total liberdade”, quando “as condecorações a atribuir [forem] verdadeiramente dignas do seu significado”.
Sérgio Piçarra é uma figura de destaque no mundo da arte e da sátira visual. A sua carreira, iniciada na década de 1980, é marcada por contribuições significativas para a liberdade de expressão e o Estado de Direito em Angola.
Em 1990, criou a personagem ‘Mankiko, o imbumbável’, que se tornou uma referência importante na caricatura angolana. Mankiko é um personagem que não gosta de trabalhar, e suas histórias satirizam questões sociais e políticas.
Os seus cartoons são publicados nos semanários Novo Jornal e Expansão, entre outras publicações nacionais e estrangeiras. Sérgio Piçarra foi homenageado em 2020 com o Prémio franco-alemão dos Direitos Humanos e do Estado de Direito — uma honra em homenagem ao engajamento pessoal e trabalho na promoção da liberdade de expressão e do Estado de Direito em Angola.
Sérgio Piçarra tornou-se na primeira personalidade angolana a receber esse prestigioso prémio, concedido a pessoas que contribuíram excepcionalmente para a proteção e promoção dos direitos humanos e do Estado de Direito em seus países e internacionalmente.
*Dados biográficos extraídos da plataforma LEA (lea.co.ao)