Reprimida em Luanda manifestação contra a subida do preço do gasóleo e dos táxis. Deputados não escaparam à violência policial
A Polícia Nacional (PN) recorreu, neste sábado, 12, à brutalidade e a disparos de gás lacrimogéneo para reprimir e travar a manifestação, convocada por um movimento da sociedade civil contestatária, contra a subida dos preços dos combustíveis e dos táxis. Em meio ao caos gerado e à violência policial que tomou de assalto as cercanias do Largo 1.º de Maio, nem mesmo deputados à Assembleia Nacional escaparam à carga repressiva.
Era para ser uma manifestação pacífica e ordeira, tal como anunciaram os seus impulsionadores, muito embora soubessem já à partida da promessa da Polícia Nacional de que haveria de “reprimir e responsabilizar civil e criminalmente os promotores da marcha, caso o trajecto do protesto não fosse aquele indicado pelas forças de defesa e segurança e da ordem e não aquele que os manifestantes insistiram em seguir.
Esse braço-de-ferro continuou não só no encontro que os promotores mantiveram ao longo da semana com o Comando Provincial de Luanda da Polícia Nacional, como na promessa de que “ninguém arredaria o pé” diante do que os manifestantes entendiam como sendo uma “arbitrariedade das forças de defesa e segurança”, uma vez que o Governo Provincial de Luanda havia afirmado que não via “qualquer inconveniente na realização da marcha”.
Por volta das 09h00, o Mercado do São Paulo, localizado na Avenida Ngola Kiluanje já se encontrava apinhado de gente, e já eram também visíveis os sinais de uma adesão em massa dos manifestantes, aos quais se juntaram também vendedores ambulantes, curiosos, membros da sociedade civil e pelo menos cinco deputados ligados à Bancada Parlamentar da UNITA.
Início
Quando eram 11h00, foi dado o tiro da largada para o início da marcha, que, pelo número, veio a confirmar-se como sendo uma das mais aderidas dos últimos tempos e que pretendia a ousada proeza de chegar até às proximidades da Assembleia Nacional.
Até ao início da marcha, não se havia registado qualquer incidente envolvendo as forças de defesa e segurança ou mesmo entre os manifestantes. Tudo corria de feição para os intentos dos promotores do protesto, que percorreu toda a Rua Cónego Manuel das Neves e rumou em direcção ao Alameda Manuel Van-Dúnem onde também seguiu o seu curso normal, muito embora fosse já visível uma presença mais robusta de efectivos da Polícia Nacional.
A primeira fricção com as forças de defesa e segurança, mas sem incidentes de maior, foi nos arredores do Largo do José Pirão, onde a Polícia Nacional antimotim e de intervenção rápida montou um perímetro de bloqueio com uma força ainda mais bruta.
Brutalidade policial

No entanto, essa primeira etapa foi vencida e lá a marcha percorreu até ser novamente travada nas cercanias da Escola Nzinga Mbande, onde manifestantes e efectivos da Polícia Nacional voltaram a trocar argumentos: os manifestantes queriam seguir o curso do protesto, ao passo que as forças de defesa e segurança insistiam que estes tinham de desmobilizar ali mesmo.
E, quando menos se esperava, começaram a chover disparos e rebentamentos de granadas de gás lacrimogéneo por tudo era canto, obrigando os manifestantes a dispersarem em debandada. Algumas pessoas chegaram mesmo a ser atingidas directamente por balas de borracha.
O caso mais flagrante foi o de um manifestante que perdeu quase metade da nádega direita, ao ser atingido por um disparo de uma das granadas de gás lacrimogéneo. O mesmo foi recolhido pelo carro da antimotim, não se sabendo o seu estado de saúde.
Deputado desacordado
Um outro caso foi a de um deputado à Assembleia Nacional que apareceu num vídeo na internet desfalecido nos braços de manifestantes que o protegiam dos disparos e do gás lacrimogéneo.
Um segundo grupo de deputados, entre os quais se encontrava Olívio Kilumbo, Paulo Faria e Irina Dinis Ferreira, foi também abordado pela Polícia Nacional que já se preparava para investir contra eles, quando foram parados pelos cidadãos que saíram em sua defesa.

“Nós estamos a defender uma Angola para todos. Uma Angola melhor e aqui está a Polícia, mais uma vez, a ser instrumentalizada. Recentemente, na Assembleia [Nacional], nós debatemos, e foi aprovada na especialidade, a ‘Proposta de Lei sobre o Regime Disciplinar do Agente Policial’ e aqui está a da Polícia Nacional, mais uma vez, a mostrar que não está para cumprir a lei, não está para respeitar os direitos fundamentais, mas para cumprir ordens superiores”, reclamou o deputado Paulo Faria, após serem livrados da ‘garras’ polícia.
“Esta é uma Angola que nós rejeitamos e denunciamos. Defendemos um Estado democrático e de direito, uma Angola melhor para todos os angolanos, inclusive para os agentes policiais e as suas famílias. Defendemos que tenham bons salários, boas condições de vida, seguro, condições de assistência médica e medicamentosa para os polícias. Isto é que nós defendemos e não uma polícia instrumentalizada pelas ordens superiores”, atirou o deputado.
“Tristeza e indignação”
Através da sua página do Facebook, o deputado da UNITA, Nelito Ekuikui, reagiu com “tristeza e indignação” à imagem do deputado desacordado nos braços de manifestantes, condenando o acto repressivo da Polícia Nacional.
“Quando um representante do povo é alvo de tamanha violência, desrespeitando-se o estatuto que lhe é legalmente conferido, fica evidente a forma desumana com que o cidadão comum é tratado. Se é assim que tratam um deputado, imagine-se o que acontece longe das câmaras, com aqueles que não têm qualquer protecção institucional. Esta é a verdadeira face da democracia e da liberdade de expressão que o MPLA impõe ao povo angolano”, lamentou.
“Condeno, com toda a veemência, estas práticas criminosas, perpetradas por agentes que, em nome do poder, demonstram estar dispostos a tudo, inclusive a reprimir e silenciar vozes dissidentes”, concluiu Nelito Ekukui.
Mesmo após a violência policial, muitos ainda foram os manifestantes que se mantiveram nos arredores do 1.º de Maio, numa clara demonstração de afronta à força bruta utilizada pelos vários ramos da Polícia Nacional para reprimir e parar a marcha de protesto contra a subida dos combustíveis e dos preços dos táxis.