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Paulo Lara – Jovem guerrilheiro, General, camarada e amigo

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Mais uma vez escrevo sobre um amigo e camarada que, apesar de muito mais novo, partiu antes de mim. Não era essa a nossa combina.
Uma família que conheci logo a seguir à independência e com a qual, desde logo, nasceu uma grande amizade. A começar pelo Pai Lúcio com quem adorava conversar já que além da sua experiência da luta de libertação, também tinha um conhecimento muito profundo da realidade da terra e das suas gentes, o Paulo, jovem guerrilheiro e meu camarada das FAPLA, mas também a Mãe Ruth e os manos Vanda e Bruno, este grande amigo do meu filho Manel. Uns vizinhos encantadores. Como não criar uma amizade para sempre com essa encantadora família.
Mas foram muitos anos. Quase tudo mudou, mas algo se manteve inalterado ao longo dos anos. A nossa amizade. A nossa amizade foi crescendo, apesar dos grandes intervalos que foram existindo, já que apesar de ambos virados para a guerra, andámos quase sempre for frentes diferentes. Mas os curtos tempos que estávamos juntos eram bem aproveitados para pormos a conversa em dia. Sempre houve grandes discussões, já que em relação a alguns assuntos, tínhamos opiniões muito diversas o que, ao contrário do que acontece com muitos, não criou qualquer inimizade, antes pelo contrário aumentou a fraternidade e a camaradagem. Teimosos mas sempre amigos.
Pouco antes do fim da guerra estivemos juntos na operação “Restauro” e aí sim trabalhámos em conjunto para a concretização dos planos do então Chefe do Estado-Maior General, o General João de Matos, também um grande amigo de ambos e um fabuloso chefe militar. Como esquecer aqueles magníficos tempos na Catumbela? O Paulo como chefe do PCA e eu na área das informações. Se as coisas corriam suavemente na elaboração das ordens para as tropas, já que tinham de ser rapidamente transmitidas e o atraso não era possível, no que se refere a relatórios a posteriori, a discussão já era permitida e claro aproveitada de imediato pelos dois teimosos. E claro que, nesse tempo o ambiente no gabinete do Paulo se ia adensando, já que o seu cigarrito estava sempre em serviço. Eu que, já há uns anos, me tinha deixado desse terrível vicio, também não me safava dos bafos do Chefe Matos (também fumador reformado), se por acaso, entrava no gabinete e eu estava lá sozinho: “Vocês é sempre a mesma m …, nem se pode entrar aqui” e à minha resposta: “mas eu há muito que não fumo”, recebia de imediato a resposta: “então como é que aturas esta m …?” O período que se seguiu, no Estado-Maior General, foi mais calmo e com menos discussões.
O fim da guerra nos levou para outras actividades e o Paulo, para além do ensino na Universidade Agostinho Neto, se dedicou a algo, que os Pais lhe tinham deixado como herança e que ele agarrou com toda a força e vontade, a de recolher depoimentos que melhor espelhassem o que fora o pensamento e a acção daqueles que, das formas mais díspares, se haviam dedicado à luta pela independência de Angola.
Algo fundamental para o futuro desta nossa Pátria – conhecer o passado para não se repetirem os erros e se poder construir um melhor futuro para todos. Os seus imensos conhecimentos sobre muitos dos assuntos que constituíam o meu novo trabalho de investigação levaram-me a, muitas vezes, pedir a sua ajuda para melhorar aquilo que escrevia e permitiram voltarmos aos bons tempos das grandes discussões que a ambos animavam. Como lhe agradecer a melhoria dos meus trabalhos? Paulo me desculpa. Estou a contar uma estória na qual participámos directamente e não pedi a tua opinião. Infelizmente já não estás aqui para mais uma imensa discussão sobre o como, o porquê e a forma de a apresentar. Quando voltarmos a estar juntos (se calhar já não faltará muito) o faremos. Prepara o isqueiro e os cigarritos!

Manuel Correia de Barros
Brigadeiro (ref.)

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