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Organizações da Sociedade Civil lançam apelo para boicote do jogo contra a Argentina e consideram encontro um “instrumento de propaganda política”

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Quatro organizações da sociedade civil angolana lançaram, nesta segunda-feira, 18, um apelo a Asociación del Fútbol Argentino (AFA) e à selecção sul-americana, com o objectivo desta cancelar a disputa do jogo amistoso contra os Palancas Negras, agendado para Novembro próximo, no âmbito dos 50 anos da independência de Angola.

Na carta aberta conjunta, subscrita pela Comissão Episcopal de Justiça e Paz e Integridade da Criação da CEAST, pela Pro Bono Angola, pela Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD) e pela Friends of Angola (FoA), é apresentado o argumento de que a referida partida “não representa uma comemoração inclusiva para o povo angolano”, e, sim, “um instrumento de propaganda política” num momento de crise social e de repressão política.

“As organizações subscritoras […] vêm, por meio desta carta aberta, manifestar profunda preocupação e apelar ao cancelamento do jogo amistoso entre a seleção nacional da Argentina e os Palancas Negras, previsto para Novembro de 2025, no Estádio 11 de Novembro, em Luanda, como parte das comemorações dos 50 anos da independência de Angola”, lê-se no documento, que é também extensivo a Lionel Messi e aos colegas.

“Este apelo não se opõe ao desporto, nem aos laços de amizade entre os povos. Pelo contrário, trata-se de um grito de consciência diante da dolorosa realidade vivida por milhões de angolanos — uma realidade que contrasta de forma chocante com a ostentação e os gastos milionários envolvidos na organização deste evento”, reforçam as subscritoras do documento.

As organizações da sociedade civil defendem que mais do que não representar uma comemoração inclusiva para o povo angolano, o encontro entre as duas selecções “converte-se num instrumento de propaganda política, usado para encobrir violações e desviar a atenção da grave crise social”, por “investir milhões de dólares num evento desportivo, enquanto milhares passam fome, hospitais colapsam e a repressão se intensifica”, não ser “uma prioridade legítima” e antes um “um insulto à dignidade humana”.

As quatro organizações recorreram ao último relatório da ‘SOFI 2025 – O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo’, para justificarem a sua posição e alertarem para “um país em crise alimentar e social”, onde “mais de 27 milhões de angolanos (cerca de 71,4% da população) não tiveram acesso a uma dieta saudável em 2024”, agravados com os dados da subnutrição, que afecta 22,5% da população — aproximadamente 8,3 milhões de pessoas.

“Enquanto recursos públicos são canalizados para eventos desportivos de grande porte, milhares de crianças e adultos enfrentam fome crónica, anemia severa e insegurança alimentar generalizada”, escrevem as organizações da sociedade civil angolana.

Crise e repressão

As subscritoras apontam também para o ambiente de “repressão sistemática contra cidadãos que expressam pensamento crítico”, e o facto de “apenas um grupo selecto de cidadãos, maioritariamente ligados ao MPLA — partido que sustenta o governo — usufruem dos negócios e têm acesso às linhas de crédito”, apesar de Angola se apresentar como uma democracia de economia livre.

“Apesar de o país possuir uma enorme quantidade de riquezas naturais — petróleo, minerais, biodiversidade, recursos hídricos e mais de 11 milhões de hectares de terras aráveis — a esmagadora maioria da população vive em extrema pobreza e não usufruem dessas mesmas riquezas”, destacam.

Execuções sumárias

Os episódios de 28, 29 e 30 de Julho de 2025 foram também invocados pelas quatro organizações da sociedade civil, que apontaram para o registo de 30 mortos, mais de 277 feridos e cerca de 1 515 detenções, na sequência de uma greve dos taxistas reprimida pela Polícia Nacional.

Um cenário de prisões arbitrárias de jornalistas, activistas e manifestantes pacíficos, assim como o uso excessivo da força policial, com relatos de execuções sumárias e a criminalização da liberdade de expressão e da mobilização cívica, sobretudo entre os jovens são outros dos eventos por elas relatados.

“Tais abusos são amplamente documentados por organizações como Human Rights Watch, Amnesty International e relatores especiais das Nações Unidas. Revelam um Estado que silencia vozes dissidentes em vez de ouvi-las — uma lógica de controlo político, não de compromisso com a justiça e a dignidade”, assinalam.

Apelo à consciência

“Senhor Messi, senhores da AFA e jogadores da selecção argentina: o vosso talento inspira milhões e ultrapassa fronteiras. A vossa presença em Angola teria um enorme peso simbólico. Por isso mesmo, a recusa em participar neste jogo seria um gesto nobre de solidariedade internacional e de respeito pelos direitos humanos”, apelam as quatro organizações da sociedade civil angolana, reforçando:

“Não se trata de política, mas de princípios. O cancelamento deste amistoso seria um acto corajoso, ético e profundamente humanitário — uma mensagem clara ao mundo de que a justiça, a dignidade e a igualdade valem mais do que qualquer espetáculo desportivo financiado com o sofrimento de um povo”.

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