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Morreu Gustavo Costa, um dos ‘últimos gurus’ do jornalismo angolano de excelência

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Morreu o jornalista e cronista angolano Gustavo Costa, um dos mais importantes pilares da história do jornalismo angolano dos últimos 46 anos. O escriba-mor, como muitas vezes foi rotulado — e com razões mais do que legítimas para isso, e um dos mais preeminentes profissionais da comunicação social angolana —, foi a óbito na madrugada desta sexta-feira, vítima de um Acidente Vascular Cerebral (AVC) hemorrágico.

Os primeiros rumores da morte de Gustavo Costa começaram a circular na quinta-feira, 18, em círculos restritos de pessoas a ele chegadas e mais tarde no seio da classe jornalística, que recebeu a notícia com bastante desassossego e estupefação. E não era para menos: em causa estava um dos nomes cimeiros do jornalismo angolano; um guru na verdade acepção da palavra.

Entretanto, a informação que veio a confirmar-se pouco depois da meia-noite desta sexta-feira, calando-se assim aquele que, através das páginas dos jornais angolanos e também portugueses, construiu — como poucos souberam fazer e como muito poucos ainda hoje se atrevem a experimentar —, uma carreira marcadamente pautada por um jornalismo de excelência e por excelência.

Cultor vernacular de uma abordagem jornalística que se distinguia da grande maioria da sua geração e muito mais ainda distanciado de gerações rendeiras, Gustavo Costa foi desde muito cedo um ‘arauto do bom jornalismo’; de um jornalismo afirmativo, pujante, esteticamente peculiar, quase a roçar aos cânones literários.

Falamos de um jornalismo cultivado por Gustavo Costa que não se resumia apenas a narrar factos, mas a expor sobre uma manta quase única e intraduzível a beleza textual como um elemento ilustrativo do bem fazer e do bem dizer.

Nascido em 1959, Gustavo Costa fez do jornalismo, logo no período pós-independência, um elemento de afirmação da sua própria personalidade e da sua identidade enquanto actor social, cívico e sobretudo intelectual, preocupado com questões fundamentais de um país que politicamente sempre andou apegado a amarras e engrenagens ideológicas que passaram a instigar o o olhar atento de um jornalista da sua craveira.

Mais do que um jornalista, Gustavo Costa era tido, e com merecido mérito e reconhecimento, como uma peça instrumental e modular de um jornalismo que não se vendeu aos lugares-comuns de uma pseudo-intelectualidade vertida em análises quase sempre vezes triviais, trazidas à liça pelos novos intelectuais de um país que produz, a cada metro quadrado, um tolo com ar senhoril.

Destes novos seres, ouvem-se e lêem-se absurdos como o triunfo da mentira e do facilitismo doentio sobre uma verdade que anda nua, à vista de todos. O jornalismo de Gustavo Costa e sobretudo as duas colunas que assinou no Novo Jornal foram e serão retratos do lado oposto deste carnaval hediondo alimentado pela mediocridade institucionalizada e sabuja.

Bem no fecho da década de 1980, mais concretamente em 1989, Gustavo Costa começou a colaborar com o jornal português Expresso, e foi com este jornal que há poucos dias acertava pormenores daquele que virá a ser o seu último artigo publicado na Revista E, o suplemento da publicação portuguesa.

“Quando discutíamos as matérias ao telefone ele ouvia-nos com atenção, explicava sumariamente como pensava tratar o assunto, pausava e concluía, repetindo ‘sim, sim, sim’. Nós ficávamos descansados. Ou partíamos para massacrá-lo com telefonemas quando havia atrasos ou as edições em Lisboa exigiam antecipação: ‘Gugu!’, e ele respondia. ‘Sim, sim, sim’. Só mais meia hora…”, lê-se na matéria do Expresso, assinada pela colega Cristina Peres, que anuncia a sua morte.

“A intuição jornalística dele e a lista de contactos de que dispunha garantiam que alguma coisa nos surpreenderia na ‘volta do correio’. Umas horas antes de ter sofrido o derrame cerebral, falámos sobre o texto que escreveu para a ‘Revista E’ em antecipação das eleições de 24 de Agosto e ele insistiu, impressionado, na tensão que se sentia no ar nos meios que correu para escrever aquela que viria a ser a última reportagem para o Expresso”, acrescenta Cristina Peres.

Gustavo Costa, tal como descreve o artigo do Expresso, “nunca trabalhou num meio fácil”, e isso deve-se em grande parte por conta do poder político angolano, em todas as suas dimensões e circunstâncias, pretender manter uma rédea a conduzir os profissionais do jornalismo. Gustavo Costa recusou-se terminantemente a enveredar por este caminho da subserviência intelectual. Traçou e trilhou o seu caminho, pôs à estrada e fez as suas conquistas.

A sua postura afirmativa e de labor engenhoso, perpassando sempre por ‘assuntos proibidos’, levaram-no, em Janeiro de 2000, a uma condenação a um ano de prisão, com pena suspensa e ao pagamento de uma multa, à data dos factos, no valor de 20 mil euros.

Em causa estava uma matéria na qual Gustavo Costa desvendava a ‘podridão’ nos meandros da alta política, mais propriamente de histórias ouvidas e contadas no gabinete do então Presidente da República José Eduardo dos Santos.

O então chefe da Casa Civil da Presidência da República de Angola foi quem moveu o processo, após ver o seu nome associado a alegados esquemas de corrupção. A defesa de Gustavo Costa interporia recurso à condenação, “porém eram os tempos em que corrupção era palavra tabu em Angola”, escreveu o Expresso, e nós subscrevemos, porque estes tempos ainda aqui estão.

Do Gustavo Costa ficará certamente retalhos de uma vida vivida com engajado esforço, quer no período pós-independência, no Jornal de Angola, quer no ‘JDM – Jornal Desportivo Militar’, quer nos jornais portugueses Record e Expresso, quer mesmo nas pontuais colaborações na BBC.

Foi, com Victor Silva — o mentor do projecto e primeiro director — um dos funcadores do Novo Jornal, tendo sido o seu director-adjunto e, depois, director. Além das várias distinções, sendo as de maior destaque o Prémio Nacional de Jornalismo e o Prémio Maboque de Jornalismo.

Assim foi Gustavo Costa, e assim também foi escrita a história de um jornalista que não se deixou convencer, nem tão-pouco dominar, pelo barulho ensurdecedor que faz a mediocridade nos dias que correm; pelo sensacionalismo medonho, pela manipulação dos media por órgãos manietados por políticos também medíocres, que vivem o hoje como se o amanhã não existisse.

Assim, apagou-se uma luz na terra e acedeu-se uma estrela cintilante no céu das nossas memórias infindáveis. Um bem-haja ao Gustavo Costa e um abraço caloroso, cúmplice e solidário a toda a sua família.

*Texto adaptado

Nok Nogueira

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