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Ministério Público constitui arguido o empresário chinês envolvido na falsificação de certidão comercial no Cartório Notarial do Kilamba Kiaxi

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A Procuradoria-Geral da República (PGR) junto do Serviço de Investigação Criminal de Luanda constituiu arguido o empresário chinês Zhan Yongqiao, pelo seu alegado envolvimento na falsificação de uma escritura pública, que resultou numa certidão comercial, que está no epicentro de um polémico caso de corrupção no Cartório Notarial do Kilamba Kiaxi.

Zhan Yongqiao é acusado de ter falsificado uma acta que o habilitaria, junto do Cartório Notarial do Kilamba Kiaxi, a proceder, de forma ilegal e fraudulenta, a alterações no pacto social da empresa I.M.I Ilundo, (SU) Lda., com sede no município do Soyo, na província do Zaire, detida pelo também empresário chinês Yongfeng Gao, com quem o agora arguido tinha um acordo comercial.

Abordado por este portal de notícias, um dos membros da equipa de advogados que presta assistência a Zhan Yongqiao, confirmou a condição de arguido do seu constituinte, mas insistiu na “autenticidade da certidão comercial” tida como fraudulenta, que é hoje objecto da queixa-crime cujo processo de instrução preparatória decorre junto do SIC-Luanda.

O !STO É NOTÍCIA sabe, entretanto, de uma acção inspectiva em curso, orientada pelo ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, Marcy Cláudio Lopes, a fim de se esclarecer, com a máxima celeridade, o assunto junto do Cartório Notarial do Kilamba Kiaxi.

Entretanto, apesar de ter emitido um ofício a dar nota de que o documento era “autêntico”, até à semana passada — quando foi do interrogatório ao empresário Zhan Yongqiao —, o Cartório Notarial do Kilamba Kiaxi não tinha ainda submetido ao Ministério Público os documentos que serviram de base para a outorga do acto, que resultou na certidão comercial, tida como fraudulenta.

Como tudo começou

Em 2020, os dois empresários chineses acordaram implementar um projecto de pescas, entre outros, e, para isso, Yongfeng Gao haveria de entrar com as infra-estruturas, ao passo que Zhan Yongqiao, sócio-gerente da empresa Tian Yi He-Pescas, Lda., com um investimento na ordem dos USD  10 000 000,00 (Dez milhões de dólares norte-americanos).

Ficou, na ocasião, acordado que, à luz do acordo, a sociedade comercial I.M.I Ilundo, (SU), Lda., seria transformada numa sociedade comercial por quotas, permitindo assim a entrada da Tian Yi He-Pescas, Lda. Essa alteração do pacto social, no entanto, ficaria condicionada à entrega e à assinatura de um ‘contrato de parceria’ que nunca chegou a ser reduzido a escrito, nem tão-pouco assinado.

Por outro lado, a acta da assembleia geral da I.M.I Ilundo (SU), Lda., com as deliberações da alteração do pacto social e aumento de capital social, nunca saiu da posse de Yongfeng Gao, que até então aguardava pela formalização do acordo por parte de Zhan Yongqiao.

O ‘alerta vermelho’ de Mbanza Kongo

Sem o contrato assinado e sem o valor do investimento totalmente pago, o empresário Yongfeng Gao manteve o original do documento consigo até aos dias hoje.

Entretanto, para surpresa de Yongfeng Gao, a 19 de Julho de 2022, uma notificação da Loja dos Registos de Mbanza Kongo dava-lhe conta de que a 15 de Janeiro de 2021, o cidadão Cláudio Mendes, mandatário do empresário Zhan Yongqiao, havia-se deslocado àquela repartição notarial com o objectivo de solicitar a transformação da sociedade unipessoal para uma sociedade por quotas limitada.

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Para efeito, além da credencial passada pelo empresário Zhan Yongqiao, o mandatário levava consigo uma cópia falsificada da acta da assembleia geral da I.M.I Ilundo (SU), Lda.

O acto acabou, entretanto, indeferido pela Loja dos Registos de Mbanza Kongo, que alegou ausência de outros requisitos, como o certificado de admissibilidade da transformação da sociedade unipessoal para sociedade por quotas, além de outros requisitos, como: os originais da escritura pública, a cópia do estatuto da transformação e a acta, assinada pelos dois sócios, que pretendiam transformar a sociedade consoante o acordo a que chegaram.

E mais: a acta que o mandatário do empresário Zhan Yongqiao levava consigo tinha apenas uma única assinatura, que a equipa de advogados do empresário Yongfeng Gao, o titular único da I.M.I Ilundo (SU), Lda., afirma, categoricamente, não ser a do seu constituinte.

Recurso ao Cartório do Kilamba Kiaxi

Frustrado o acto de transformação da sociedade comercial na Loja do Cartório Notarial de Mbanza Kongo, o empresário Zhan Yongqiao migrou o seu plano para Luanda, e junto do Cartório Notarial do Kilamba Kiaxi, onde teria apresentado, segundo os dados constantes na certidão comercial obtida de modo fraudulento, a Certidão da Conservatória do Registo Comercial, a Acta avulsa n.º 1/2020, datada de 7 de Julho de 2020, Estatuto da referida sociedade, Certificado de Admissibilidade, datado de 16 de Julho de 2020, Relatório e contas.

As contradições da defesa do agora arguido

Porém, numa audiência no Tribunal da Comarca do Soyo, em sede de uma acção penal de que é acusado o empresário Yongfeng Gao e queixoso Zhan Yongqiao — o processo-crime é uma extensão do fracasso da parceria comercial entre ambos —, o advogado do agora arguido chegou a justificar a tese de “burla” pelo facto de o pacto social não ter sido consumado. Ou seja, houve o crime de burla por não ter havido a efectivação da alteração do pacto social.

A afirmação, mais do que categórica, é contraditória, uma vez que existe uma certidão comercial, que a defesa do empresário assume ser autêntica e que teria resultado precisamente da alteração do pacto social.

A outra incongruência está no facto de, durante essa mesma audiência no Tribunal da Comarca do Soyo, o advogado do empresário Zhan Yongqiao ter dito que, enquanto durou a parceria, não houve qualquer prestação de contas por parte de Yongfeng Gao, mas constar na certidão comercial fraudulenta — como um dos documentos de base para outorga do acto —, um relatório e contas.

O mesmo padrão de corrupção

O caso é o segundo que vem a público, envolvendo instituições da justiça angolana, apanhadas em contramão, devido a alegados actos de corrupção em lojas de registos notariais. O mais mediático deles é o dos 20 apartamentos de Talatona, pertencentes a três imobiliárias, que a antiga miss Angola Giovana Pinto Leite colocou em seu nome, usando os mesmos métodos, mas com o concurso do Cartório Notarial de Viana.

Fruto de uma acção inspectiva, que durou um mês, o ministro da Justiça e dos Direitos Humanos decidiu mandar suspender temporariamente o funcionamento do Cartório Notarial de Viana.

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