Membro da delegação portuguesa no Algarve afirma que nem o MPLA, nem a FNLA e a UNITA estiveram de boa-fé nas negociações do ‘Acordo de Alvor’
Faz hoje exactos 50 anos desde que os três movimentos de libertação nacional — FNLA, MPLA e UNITA — assinaram, em Alvor, no Algarve (sul de Portugal), com o governo português o acordo que tinha como principal objectivo a independência de Angola e estabelecer “os parâmetros para a partilha do poder político” entre os interlocutores do ex-regime colonial na mesa das negociações, logo a seguir aos acontecimentos do 25 de Abril de 1974.
O ‘Acordo de Alvor’, assinado a 15 de Janeiro de 1975 — que levou à mesma mesa de negociações representantes do governo português e os líderes da FNLA (Holden Roberto), do MPLA (Agostinho Neto) e da UNITA (Jonas Savimbi) —, foi rompido pouco antes da data acordada para a proclamação da independência de Angola, a 11 de Novembro de 1975.
Volvidos 50 anos, um dos dois membros vivos da então delegação portuguesa que negociou o ‘Acordo de Alvor’, o general Pezarat Correia, de 92 anos — o outro integrante vivo é o general António Gonçalves Ribeiro, de 91 anos —, atribui parte da responsabilidade do ‘falhanço’ à postura dos três movimentos de libertação nacional nas negociações, tidos, na ocasião, por Portugal como “os únicos representantes do povo angolano”.
“Os movimentos de libertação não estiveram de boa-fé. Eles estiveram no Acordo fundamentalmente para terem ali uma base legal para acabar com a presença portuguesa na governação de Angola”, afirmou, em entrevista à Lusa, o general Pezarat Correia, por ocasião dos 50 anos da assinatura daquele instrumento.
Apesar de reconhecer que, à data dos factos, Angola era um peão importante no jogo das super-potências no quadro da Guerra Fria — tendo isso condicionado até certo ponto o cumprimento do ‘Acordo de Alvor’ —, Pezarat Correia entende que tudo o resto que veio a acontecer a posteriori obrigou o então Presidente da República portuguesa Francisco Costa Gomes a declarar a caducidade do instrumento negociado.
“Manteve-se uma excepção, que foi a manutenção da data da independência. Todo o resto do articulado foi ultrapassado pelas próprias circunstâncias. De qualquer maneira, há 50 anos, (…) fiquei francamente satisfeito com o Acordo e saí até com alguma esperança de que estivesse ali a solução”, admitiu.
Para o general Pezarat Correia, o fracasso do ‘Acordo de Alvor’ foi sobretudo a nível da orgânica do Governo de Transição e dos mecanismos de constituição das forças militares mistas.
O ‘estranho’ Governo de Transição
Composto por 12 ministérios, o Governo de Transição previa que cada uma das quatro partes signatárias do acordo ficasse responsável por três pastas. Três ministros portugueses teriam três secretários de Estado, em representação de cada um dos movimentos de libertação.
Os restantes nove ministérios seriam chefiados em igual número pela FNLA, MPLA e UNITA, e estes teriam igualmente um secretário de Estado afectos aos restantes dois movimentos.
“Isto era claramente uma mescla. Nem sequer era um Governo de Coligação. Era uma mescla para que todos os movimentos estivessem representados em todas as pastas. Este governo só podia funcionar com boa-fé, se houvesse boa-fé da parte dos componentes, porque o que aconteceu é que, depois, cada um dos representantes dos movimentos de libertação, em cada uma das pastas, só esteve ali para perturbar a vida do respectivo ministro”, argumentou, acrescentando: “foi um aspecto fundamental em que se revelou, digamos, a não boa-fé dos três movimentos”.
A constituição das forças militares mistas, que deveriam ter 48 mil efectivos — metade dos quais seriam soldados portugueses e os restantes 24 mil fornecidos em partes iguais pelo MPLA, FNLA e UNITA — é outro dos aspectos, segundo o general Pezarat Correia, que teriam ditado “o verdadeiro falhanço do Acordo de Alvor”.
Fracasso das forças militares mistas
Na opinião do membro da delegação portuguesa nas negociações do Algarve, Portugal cumpriu a sua parte, reduzindo efectivos, fazendo regressar parte ao país e desmobilizando os soldados angolanos que integravam nas suas fileiras. Contrariamente à postura de Portugal, acrescenta, os movimentos de libertação nacional agiram à margem desse guião.
“[Ou seja, enquanto Portugal] ’teve que retrair os seus efectivos, os movimentos de libertação para chegarem aos 8 mil homens tiveram que reforçar” e “aliciaram para si os militares que Portugal, entretanto, ia desmobilizando”, comentou.
“Eram gente que já tinha experiência militar e os movimentos de libertação, de acordo com a influência étnica que tinham nessas regiões, encontraram ali umas bases de recrutamento importantes. Bom, isto era compreensível. Só que o que os movimentos de libertação não fizeram foi depois contribuir com os seus efectivos para as forças militares mistas. E as forças militares mistas acabaram por nunca ser constituídas”, lamentou.
De acordo com as explicações do general, à luz do instrumento negociado, “as forças militares mistas deviam ser responsáveis pela segurança interna e pela segurança das fronteiras, impedindo intervenções externas. Porém, não foi isso que aconteceu: “o que acabou por se passar é que os movimentos de libertação não só não contribuíram com as suas forças para as forças militares mistas, como reforçaram os seus efectivos para além dos oito mil homens que a cada um competia, e recomeçaram o conflito entre eles”.
Diante de um novo cenário, o general Pezarat Correia salienta que Portugal se viu incapaz de manter o controlo militar de todo o território angolano, com a agravante de “cada um dos movimentos ter tratado de conseguir apoios externos que vieram violar as fronteiras”, ao contrário do que dizia o acordo. Conclusão a que chega Pezarat Correia: “Isto foi a violação total do Acordo do Alvor”.
*Com a Lusa/Portal Pontual