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João Lourenço quebra enguiço de precisos 100 dias e visita ‘finalmente’ José Eduardo dos Santos

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O barómetro das redes sociais já atribuiu uma classificação à visita efectuada esta sexta-feira, 24, pelo Presidente João Lourenço ao seu antecessor José Eduardo dos Santos, na sua residência oficial, no Miramar: “Peca por tardia, mas é um gesto que pode renovar as esperanças de um clima menos hostil entre ‘lourencistas’ e ‘eduardistas’”.

Tem sido esta a conclusão a que têm chegado muitos dos internautas, muitos ou quase todos apanhados de surpresa, quando começaram a surgir nas redes sociais as primeiras imagens da visita de João Lourenço a José Eduardo dos Santos. Nas imagens, amplamente divulgadas e partilhadas, nota-se um José Eduardo dos Santos debilitado e frágil, porém, não tão diferente do estado físico com que se apresentou ao país aquando do seu regresso.

Coincidência ou não ou talvez uma mera casualidade aritmética nas contas de somar, João Lourenço visita José Eduardo dos Santos precisamente passados 100 dias depois que o ex-Presidente da República escalou Luanda, após ter cumprido uma agenda de dois anos em Espanha, onde se encontrava em tratamento de saúde.

No seu regresso a Luanda, a 14 de Setembro deste ano, José Eduardo dos Santos foi, logo à partida, alvo de um “boicote editorial” por parte dos órgãos de comunicação social públicos. Nessa altura, nenhum veículo de imprensa do Estado cobriu ou deu destaque à chegada daquele que esteve durante 38 anos à frente do MPLA e dos destinos do país. Veio-se a saber mais tarde a razão: “o seu regresso não fazia parte de um critério editorial”.

No dia que escalou Luanda, João Lourenço encontrava-se numa visita de dois dias de trabalho à província do Kwanza-Norte. Mesmo após o seu retorno a Luanda, João Lourenço limitou-se a fazer um telefonema de cortesia, que já mereceu tratamento editorial por parte dos órgãos públicos de comunicação social.

De lá para cá, o Presidente João Lourenço levou precisos 100 dias para uma visita de cortesia que se aguardava com bastante expectativa. Contudo, nesse intervalo, assistiu-se ainda ao VIII Congresso Ordinário do MPLA, que reelegeu João Lourenço para mais cinco anos à frente dos ‘Camaradas’, acontecimento político no qual José Eduardo dos Santos não tomou parte, e as razões não foram até então tornadas públicas.

Foi também ainda em ambiente do congresso que três episódios com impacto político diametralmente opostos tiveram lugar: primeiro, a não alusão ao nome de José Eduardo dos Santos nos primeiros dois discursos proferidos por João Lourenço — no da abertura e no da consagração após eleição. Sorte diferente teve o Presidente-fundador da Nação, António Agostinho Neto, destacado no primeiro.

Segundo: a indicação do nome de José Eduardo dos Santos para o Conselho de Honra do MPLA, uma espécie de ‘Conselho da República interno’, onde constam nomes de altas figuras do MPLA que deixaram este ano a vida política activa, e, por conseguinte, os órgãos do partido como o Comité Central e o Bureau Político.

O terceiro episódio foi uma ‘alusão agridoce’ à figura de José Eduardo dos Santos. O facto mereceu, à partida, efusivos aplausos de algumas centenas de militantes do MPLA que se encontram no estádio 11 de Novembro. Aplausos que foram logo silenciados, porque João Lourenço continuou discursando, e ao fazê-lo descreveu o mérito da conquista da paz como uma vitória do partido MPLA, contrariando um posicionamento anterior, que sempre atribuiu todo o mérito à figura do ex-Presidente da República.

“Tinha que haver um líder e este líder suportava-se, apoiava-se na força de um partido político, na força do MPLA. Ele agiu como estadista, mas tinha atrás de si a força do MPLA. Estou-me a referir ao camarada presidente José Eduardo dos Santos, que, enquanto chefe de Estado e comandante-em-chefe das Forças Armadas, foi magnânimo e com esse seu comportamento garantiu que a paz, alcançada a 4 de Abril de 2002, perdurasse até aos dias de hoje”, afirmou João Lourenço, por ocasião do acto de massas em alusão aos 66 anos do MPLA e ao encerramento do congresso.

Se esta visita irá alterar o ambiente hostil que até então caracterizava a relação entre as duas figuras — mesmo sem que nenhuma delas desse indicações precisas sobre isso —, é uma pergunta cuja resposta só o tempo dirá. A imprensa pública, que acompanhou a visita ao Miramar, pouco ou nada disse, senão que se tratou de uma visita de cortesia e que à saída João Lourenço deixou uma prenda de Natal.

Pelas imagens televisivas ouviu-se um José Eduardo dos Santos com uma voz sorumbática, comentando sobre a situação da covid-19 em Angola, que nada se compara ao ambiente de extrema preocupação que continua a viver-se na Europa.

Uns mais avisados diriam que ingénuos seriam aqueles que se limitariam a fazer leituras desta visita com base, simplesmente, nas imagens televisivas. Outros também dirão que qualquer especulação sobre esta visita de João Lourenço ao Miramar poderia redundar num erro crasso, já que paira no ar a ideia de que, sem uma reconciliação interna, teria o MPLA mais dificuldades em atacar as eleições de 2022. Verdade ou não, uma vez mais, o tempo será o dono e senhor de todas as respostas que se esperam desta fria relação entre João Lourenço e José Eduardo dos Santos.

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