João Lourenço nega uso desproporcional da força e considera que reacção do governo aos acontecimentos de Julho foi “à medida da ameaça”
O Presidente da República, João Lourenço, negou, em entrevista exclusiva à CNN Internacional, que as forças de defesa e segurança angolanas tivessem reagido de forma desproporcional aos acontecimentos ligados à greve dos taxistas, ocorrida nos dias 28, 29 e 30 de Julho deste ano, quando foram mortas mais de 30 pessoas indefesas.
João Lourenço, que conversava com o jornalista Richard Quest, no Palácio da Cidade Alta, minimizou os eventos, marcado pela morte de 33 cidadãos em circunstâncias paralelas à greve dos taxistas, e defendeu à actuação do seu governo, que, na sua opinião, respondeu aos acontecimentos que “não foram meras manifestações”.
“A reacção foi à medida da ameaça, porque o que se passou não foram meras manifestações. As manifestações, quando são pacíficas, não põem em causa vidas humanas, nem o bem público e privado. Obviamente que os governos não têm razões que justifiquem o emprego de violência”, começou por explicar João Lourenço.
Para o Presidente angolano, a reacção do seu governo aos acontecimentos de Julho último deveu-se ao facto de se ter tratado de “uma espécie de rebelião, que destruiu património tanto público como privado”, o que obrigou a uma tomada de decisão para a protecção desse mesmo património.
Os acontecimentos
A greve dos taxistas foi um movimento grevista convocado pela Associação Nacional dos Taxistas de Angola (ANATA), que degenerou em protestos nacionais, com pilhagens e vandalismo, principalmente em Luanda, contra o aumento do preço do gasóleo, que passou de 300 para 400 kwanzas, um reajuste de cerca de 33 % — que resultou numa elevação de até 50 % nas tarifas dos táxis urbanos.
Iniciado no dia 28 de Julho de 2025, a greve evoluiu para uma crise nacional com fortes repercussões sociais e políticas. Inicialmente, o governo apontou um número de 22 pessoas mortas, estatística que viria a alterar para 33 (incluindo um agente da Polícia Nacional (PN). Houve também cerca de 197 feridos, 1 200 a 1 214 pessoas detidas durante os protestos, foram vandalizadas cerca de 66 lojas, 25 veículos particulares, além de 20 autocarros públicos e três agências bancárias.
Vídeos partilhados nas redes sociais mostravam uma actuação policial com ordens para atirar a matar. Em alguns desses vídeos, surgiram registos de execuções sumárias, envolvendo agentes da PN e do Serviço de Investigação Criminal (SIC), à paisana, que executavam indiscriminadamente vários cidadãos, incluindo menores de idade, em Luanda, Malanje e Benguela.
Combate à corrupção
Sobre o combate à corrupção, uma das bandeiras do seu governo, o chefe do executivo angolano reconheceu a dificuldades no processo, admitindo que a tarefa se afigurou muito mais espinhosa do que era esperado em 2017, quando chegou à Presiência da República.
“De facto, o combate à corrupção tem sido mais difícil do que imaginava. Embora tenha dito em Lisboa, logo no início do meu primeiro mandato, que, na luta contra a corrupção, eu estava à espera de ser picado pelos ‘marimbondos’. Essa expressão ficou registada, significava dizer que haveria reacções. Ninguém queria perder aqueles privilégios, entre aspas, que tinham de mão-beijada. Portanto, ia ser uma luta, e está a ser uma luta”, admitiu.
A respeito do tema, João Lourenço recordou que, na altura, a lei concedeu um período para que as pessoas entregassem voluntariamente os activos indevidamente retirado do Estado, no entanto, continuou, “salvo raras excepções, praticamente ninguém o fez”.
“Dessa forma, tivemos de deixar que a justiça fizesse o seu trabalho, e tem vindo a fazer. E, mesmo assim, aqueles que perderam os tais privilégios continuam a manter resistência, de várias formas”, referiu.
Questionado se acreditava nos ensinamentos desse combate à corrupção e se se instalou com o mesmo uma “cultura” contra o fenómeno, João Lourenço considerou que terem sido lançadas sementes que resultaram em plantas que estão em fase de crescimento. Porém, admitiu, não vai ser o seu mandato a concluir o processo.
“Nós lançámos a semente e, portanto, a planta está a crescer. Alguém vai ter que dar continuidade. Eu acredito que, daqui para a frente, nunca mais será como foi antes, porque, de facto, a corrupção prejudicou bastante o desenvolvimento económico e social do nosso país”, disse.
*Foto CIPRA