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General Zé Maria indignado com o nível de pobreza no seu reencontro com o “país real”

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Foi um dos mais temidos e importantes generais da era José Eduardo dos Santos. Foi dos poucos que tinha poder e o exercia. Na hierarquia castrense teve, entre outras responsabilidades — até à chegada de João Lourenço à Cidade Alta —, o cargo de chefe dos Serviços de Inteligência e Segurança Militar (SISM). Entretanto, caiu em desgraça, mal José Eduardo dos Santos se aposentou, tendo sido levado a julgamento por alegado “extravio de documentos secretos” relacionados com a Batalha do Cuito Cuanavale.

Perante o juiz e uma sala de audiência robusta expressou-se em latim, dizendo aquilo que muitos esperavam ouvir em português. Contudo, acabou julgado e condenado. Não satisfeito recorreu da sentença, que foi mais tarde reduzida pelos juízes do Supremo Tribunal Militar, porém, ainda assim, livrou-se dos calabouços por ter estado em prisão domiciliar por cerca de dois anos, o tempo que ficou a aguardar que fosse decidido o recurso interposto.

Assim se resumiria os últimos quatro anos da vida de um general Zé Maria. Mas, não. Antes mesmo de ter sido publicado o desfecho do seu processo judicial, foi dado como morto por via de um boato atirado à pressa por vozes anónimas. No dia a seguir à notícia da sua morte não se fez de rogado: surgiu nas redes sociais numa espécie de retiro espiritual, no cemitério do Alto das Cruzes. Higienizou a campa onde repousam os restos mortais de sua mãe, irmão e outros familiares, posando uma, duas, três, quatro vezes para a posteridade. As imagens viralizaram nas redes sociais.

Num dos registos fotográficos, o temido general Zé Maria aparece prostrado na campa, como um comum dos mortais.  E assim seria, mais uma vez, resumido um momento particular da sua vida pós-reforma. No entanto, quis outra vez o destino que assim não fosse, e desta vez tudo por culpa de uma nova abordagem, de uma nova atiração, de um novo retiro, talvez, mas desta vez nada espiritual.

Nesta quarta-feira, 13, o general Zé Maria voltou a dar nas vistas. Dois vídeos curtos, pouco menos de três minutos, voltaram a dar à costa das redes sociais e viralizaram. O essencial da história resume-se no seguinte: o general Zé Maria, qual alienígena impressionado com estado de miséria numa localidade nas profundezas do Kuando Kubango, aparece vestido informalmente — fato olímpico e chinelas. No menu uma série interminável de perguntas. O destinatário: Presidente João Lourenço, colocando-se assim no lugar “do outro lado da barricada”, onde aliás num passado recente só se vislumbravam vozes contestatárias, que quiseram contrariar os “brilhantes indicadores de desenvolvimento”, que faziam inveja em África e no mundo.

Num dos vídeos, o general Zé Maria reporta-se ao discurso proferido por João Lourenço durante a cerimónia de tomada de posse dos recém-nomeados membros do Conselho da República, para disparar uma série de perguntas:

“É assim que vamos ter ensino de qualidade, se não temos um bairro de qualidade, se não temos escola de qualidade, se não temos sequer um posto médico? Um jovem habitante disse que só temos esta escola — e aponta para ela —, que é escola do colono. O senhor, quando foi do empossamento dos novos membros do Conselho da República, pronunciou a palavra qualidade mais de três vezes: qualidade, qualidade, qualidade. Qualidade de vida para estas crianças… [aponta para os petizes com quem se cruza]; para quando a qualidade de vida para estas crianças?”.

E segue o general ruminando e insistindo nas questões a João Lourenço: “Quantas vezes pronunciou a palavra qualidade, senhor Presidente?”. O vídeo é ainda marcado por um diálogo inquiridor a um dos habitantes, identificado pelo nome de Domingos Suco:

“Já estiveram aqui pessoas a fazer levantamento para a construção de casas?”, dispara o general ao habitante, que lhe explica que lá vão cinco anos desde que por lá passaram membros do governo local. Indignado e com ar assombrado, o general Zé Maria segue questionando o pobre habitante: “Mais de cinco anos que as casas deviam estar prontas e até hoje nada? Tem posto médico? A escola? E é a escola que o colono deixou! Mais ninguém fez nada?”.

E lá voltou a dar nas vistas o temido general Zé Maria nas terras antes do fim do mundo, mas hoje apelidadas de “terras do progresso”.

 

Nok Nogueira

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