Estudo do CEDESA revela que Sonangol atravessa um “processo de declínio que não pode ser justificado apenas com conjunturas desfavoráveis”
Uma pesquisa do Centro de Estudos de Desenvolvimento Económico e Social de Angola (CEDESA) revelou que a Sonangol atravessa “um processo de declínio estrutural que não pode ser explicado apenas por conjunturas desfavoráveis, como a pandemia da Covid-19 ou pela volatilidade dos preços internacionais do petróleo”. O organismo propõe privatização parcial e despartidarização total da multinacional petrolífera.
As informações, que constam de um documento do CEDESA assinado pelo seu vice-presidente e director-geral de investigação, Rui Verde, sublinha que o que se verifica é “uma erosão estrutural”, resultante da fragilidade institucional e da incapacidade da empresa em aumentar a produção petrolífera.
No estudo, o académico assinala que os investimentos realizados fora do sector petrolífero — em saúde, transportes, telecomunicações ou imobiliário — “revelaram-se insustentáveis”, acumulando centenas de milhões de dólares em prejuízos e transformando-se num peso permanente sobre as contas da petrolífera estatal.
“A isto somam-se problemas de governação, marcados por corrupção, nepotismo e esquemas de desvio de combustível, que “corroeram a credibilidade da empresa e expuseram a sua vulnerabilidade institucional”, acrescenta.
“Declínio não é conjuntural”
Segundo a análise, “o declínio da Sonangol não é conjuntural, mas estrutural”, resultando da fragilidade dos negócios paralelos, da má gestão e da incapacidade de aumentar a produção.
O CEDESA aponta vários sinais do declínio como a queda contínua dos lucros, a “opacidade na relação com o Estado angolano”, a falta de transparência contabilística e a ausência de auditoria pública, considerando a “produção está estagnada”.
“A produção interna de petróleo tem vindo a diminuir de forma consistente, passando de mais de 1,8 milhão de barris por dia em 2008 para menos de 1,1 milhão em 2024, sem que a Sonangol tenha conseguido inverter a tendência através de novas tecnologias ou de projectos de recuperação melhorada”, salienta.
Falta de transparência
Outro factor crítico destacado é a redução do investimento em exploração e desenvolvimento, já que, em vez de dar prioridade ao reinvestimento produtivo, a Sonangol tem alocado recursos para compensação da dívida com o Estado, operações financeiras pouco transparentes e manutenção de activos não estratégicos.
“Embora tenham sido anunciados planos de privatização parcial — incluindo uma eventual oferta pública inicial de até 30% —, persistem dúvidas sobre a qualidade da informação financeira e da governação interna, o que desincentiva potenciais investidores”, avalia Rui Verde.
O CEDESA propõe, assim, uma reforma profunda da petrolífera estatal, passando pela privatização de 45% do capital, em mercado internacional, garantindo que “um terço dessa participação seja reservado aos trabalhadores”, de modo a “democratizar a estrutura accionista”, reforçar o alinhamento entre trabalhadores e gestão e atrair capital e know-how internacionais.
Proibições
O estudioso defende ainda a aprovação de uma lei que proíba militantes de partidos políticos de ocupar cargos na Sonangol, blindando a empresa contra interferência partidária e assegurando nomeações baseadas em critérios técnicos e meritocráticos.
“A independência da administração é condição indispensável para atrair investidores internacionais e recuperar a confiança pública, evitando que a Sonangol seja utilizada como instrumento de clientelismo político”, sublinha.
Outra proposta é a privatização selectiva das áreas da Sonangol que registam prejuízos crónicos, incluindo a Sonangol Distribuidora.
Segundo o relatório, o segmento downstream (refinação, transporte e distribuição) é tradicionalmente pesado, de margens reduzidas e exigente em investimento.
“Transferi-lo para operadores privados permitiria ao Estado e à Sonangol concentrarem-se nos segmentos estratégicos e mais rentáveis, como exploração e produção, enquanto a concorrência no mercado interno poderia melhorar preços e qualidade do serviço”, defende o investigador.
Sector social
No plano social, o estudo refere que uma parte das receitas geradas seja canalizada directamente para as províncias produtoras, financiando infra-estruturas, educação e saúde.
Essa redistribuição territorial, assinala o estudo, reduziria desigualdades regionais e reforçaria a legitimidade da exploração de recursos naturais.
Por fim, o CEDESA defende um aumento significativo do investimento em investigação e desenvolvimento (I&D), sobretudo em áreas como eficiência energética, energias renováveis e tecnologias de descarbonização.
O CEDESA é um grupo de investigação independente, composto sobretudo por académicos e especialistas internacionais que analisam políticas públicas e governação económica em Angola.