Em nove anos foram gastos mais de dois mil milhões kz com a manutenção dos estádios interditados pela CAF
Angola acolheu, pela primeira vez, em 2010, o Campeonato Africano das Nações (CAN). O executivo então presidido pelo Presidente José Eduardo dos Santos propôs-se a construir, de raiz, quatro estádios modernos, em Luanda (11 de Novembro), Cabinda (Chiazi), Huíla (Tundavala) e Benguela (Ombaka), bem como algumas unidades hoteleiras nas respectivas províncias.
Facto é que, pouco mais de 11 anos depois, o investimento bastante aclamado, quer pela imponência dos estádios, como pelo valor que cada um deles custou aos cofres do Estado, já mais ninguém se lembra do brilho e do orgulho que foi ter, na altura, estádios com aquela dimensão e valor.
A ‘gota de água’ desta desilusão tremenda chegou em forma de ‘sentença’ aplicada pelo órgão reitor do futebol africano, a Confederação Africana de Futebol (CAF), que mandou encerrar três dos quatro estádios — o estádio do Chiazi, em Cabinda já anda há largos anos interditado — imaginem, por estes não cumprirem “totalmente os requisitos mínimos estabelecidos”.
A decisão da CAF contrasta, em grande medida, com os investimentos que o executivo angolano aplicou na manutenção destes estádios em nove anos, tal como confirmam os dados disponíveis no site do Ministério das Finanças, em relação às verbas disponibilizadas anualmente para cada um dos estádios, entre 2013 e 2020. O valor disponível para a manutenção dos estádios previstos no Orçamento Geral do Estado para 2022 não foram contabilizados, por este diploma estar ainda em discussão no Parlamento.
Entre os anos de 2010 e 2012, o executivo não destinou qualquer verba para a manutenção dos estádios acabados de construir. A primeira vez que foi inscrita no OGE um valor para a manutenção dos recintos futebolísticos foi em 2013, tendo sido reservado um valor na ordem dos cento e oitenta e nove milhões e noventa e cinco mil kwanzas.
Em nove anos, o executivo, só com a manutenção dos quatro estádios, chegou a uma cifra em kwanzas na ordem dos mais de dois mil milhões de kwanzas. Um valor que não reflecte o estado em que se encontram os quatro recintos, com o agravante de o estádio de Cabinda estar interditado por ordem das próprias autoridades desportivas angolanas.
Em 2014, o Orçamento Geral de Estado, por exemplo, reservou para os quatro estádios 700 milhões de kwanzas, sendo 250 milhões para o 11 de Novembro e 150 milhões Kz cada para o Ombaka, Chiazi e Tundavala, tendo-se registado um incremento em relação ao ano anterior.
Entre os gastos com a manutenção, em 2015, as despesas foram de 221 milhões de kwanzas — uma ligeira redução em relação a 2014 —, sendo 76 milhões e 500 mil kz para o gigante 11 de Novembro, 42 milhões para o Ombaka e 51 milhões de kz cada para a Tundavala e Chiazi.
Em 2016, o Ministério das Finanças reservou um valor inferior aos três primeiros anos desde que a rubrica manutenção dos estádios passou a figurar nas contas do exercício económico do país. Foi atribuído a quantia de 108 milhões de kwanzas.
Em 2017, o valor voltou a subir, passando de 108 para os 186 milhões de kwanzas. Neste ano, o 11 de Novembro teve uma ‘fatia’ de 60 milhões kz, contra os 42 milhões cada para os estádios de Cabinda, Benguela e Huíla.
Com um corte de quase 30 milhões de kwanzas, em 2018, nas verbas cabimentadas para o Ministério de Juventude e Desportos, o pelouro de Ana Paula do Sacramento Neto gastou 157 milhões kz com a manutenção destas infra-estruturas desportivas.
Os números mais baixos dos orçamentos destinados à manutenção destes estádios foram registados entre os anos de 2019 e 2020, em que o valor global foi o de 93 milhões e 275 mil kwanzas e 89 milhões e 100 mil kwanzas, respectivamente.
Em 2021, no orçamento em vigor, a manutenção disparou para 369 milhões kz, com o 11 de Novembro a receber 130 milhões, sendo que para o Chiazi e Tundavala foi reservado uma verba na ordem dos 115 milhões cada, contra os nove milhões destinado para o estádio do Ombaka, em Benguela.
Um facto curioso é a CAF ter mandado interditar os referidos estádios numa altura em que o valor para a sua manutenção sofreu um incremento em relação aos três últimos anos.
Receitas com os jogos do Girabola
Além dos dinheiros vindos do OGE, pelo menos o 11 de Novembro, Ombaka e Tundavala são palcos que têm estado a acolher jogos do campeonato nacional de futebol da primeira divisão, o Girabola, e a Taça de Angola.
Só em Luanda, o ‘monstro adormecido’ da Camama, por cada jogo ali realizado, cobra dois milhões e 500 mil kwanzas às equipas visitadas. Só para se ter em conta, dos embates efectuados pelo Petro de Luanda e 1.º de Agosto que, por regra são 15 jogos por época para cada equipa, até ao final da prova, cálculos do !STO É NOTÍCIA apontam que a direcção do estádio chegou a encaixar um montante na ordem dos 75 milhões Kz com estas duas formações da capital.
Um investimento robusto
Após inauguração em 2010, o governo angolano, na hora do balanço, proclamou ter gasto mais de 600 milhões de dólares na construção dos quatro estádios. Em Luanda, o Estádio 11 de Novembro, com capacidade para 50 mil espectadores, ficou orçado em 227 milhões de dólares.
Em 2020, uma reportagem feita pela Televisão Pública de Angola dava conta que a relva do estádio do Chiazi se encontrava em péssimas condições. De lá para cá, apesar de anualmente saírem milhões de kwanzas dos cofres do Estado para a sua manutenção, a infra-estrutura continua “bloqueada” para a prática do futebol.
Já na Huíla, o estádio da Tundavala só nesta época voltou a receber partidas de futebol, tendo sido agora transformado no ‘quartel general’ do Desportivo da Huíla, após seis anos de encerramento, devido ao mau estado de conservação.
Em Benguela, o Ombaka, o que menos dinheiro do Orçamento Geral de Estado tem recebido, lá vai sobrevivendo, servindo, no Girabola, de recinto caseiro da equipa do Williete Sport Clube.
Estádios degradam-se nas mãos do próprio Estado
Desde a inauguração em 2010, as quatro infra-estruturas construídas para o CAN, apesar dos vários apelos para que a sua gestão fosse entregue a privados, que os estádios foram-se degradando nas mãos do próprio Estado.
Em Abril último, num encontro com líderes de algumas federações desportivas, o Presidente João Lourenço pediu uma gestão rentável, alertando os futuros gestores desses espaços, como estádios e pavilhões gimnodesportivos, para a necessidade de se adoptar uma gestão capaz de manter o estado dessas infra-estruturas, fazê-las gerar receitas, de modo a torná-las auto-suficientes, e não dependentes do OGE.
“É responsabilidade do Estado construir, mas depois de construir temos que encontrar uma outra entidade, que não seja o Estado, para gerir e ganhar dinheiro com os estádios. Em todo o mundo, o desporto dá dinheiro. Só em Angola é que não dá. Só dá despesas”, lamentou João Lourenço, em Abril do corrente ano.
O entendimento do Presidente João Lourenço é de que o Estado deve investir apenas uma única vez na construção dessas infra-estruturas. Depois disso, alertou, “quem ganhar o concurso para a gestão dessas unidades tem que ter receitas suficientes para mantê-los”.