Isto É Notícia

Tribunal da Relação do Uíge anula a sentença condenatória contra o empresário chinês Yongfeng Gao ‘Cowboy’

Partilhar conteúdo

Os juízes desembargadores da Secção Única da Câmara Criminal do Tribunal da Relação do Uíge decidiram, por unanimidade, anular a sentença condenatória proferida, em Junho deste ano, contra o empresário chinês Yongfeng Gao ‘Cowboy’, condenado pelo Tribunal da Comarca do Soyo, na província do Zaire, por alegado crime de burla ao também empresário, naturalizado português, Zhan Yongqiao.

A 12 de Junho de 2025, o empresário Yongfeng Gao foi julgado e condenado a uma pena suspensa de três anos de prisão maior e ao pagamento de uma indemnização de 614.000.000,00 (seiscentos e catorze milhões de kwanzas) a Zhan Yongqiao, representante da sociedade comercial Tian Yi He-Pescas, Lda., que o acusava de burla, depois que a parceria negocial entre as empresas de ambos foi interrompida.

No entanto, após interposição de recurso, os juízes desembargadores do Tribunal da Relação do Uíge, que atende a região norte de Angola em matéria de processos de recursos judiciais em sede da segunda instância, decidiram, a 27 de Outubro de 2025, anular a sentença e dar razão aos argumentos apresentados pela defesa de Cowboy Yongfeng Gao ‘Cowboy’.

“Nestes termos e demais da lei, acordam os juízes desembargadores da Câmara Criminal deste Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso interposto por inexistência de crime, anulando a decisão e, por força do princípio da intervenção mínima, remeter as partes à Sala do Cível do respectivo Tribunal de Comarca [do Soyo]”, lê-se no Acórdão, referente ao Proc. n° 08/2025-C.

Acordo entre pessoas colectivas

Sobre a responsabilidade penal a respeito do fracasso da parceria entre ambos, o Tribunal da Relação do Uíge considerou que Yongfeng Gao não seria “a pessoa a quem devem ser assacadas eventuais responsabilidades penais sobre os factos, mas sim à pessoa colectiva Sociedade Unipessoal I.M.I Ilundo, Lda”, já que o negócio foi realizado entre duas empresas, isto é, entre duas pessoas colectivas e não entre pessoas singulares (Yongfeng Gao e Zhan Yongqiao).

Yongfeng Gao durante o  julgamento

Os juízes desembargadores argumentaram no acórdão que a relação entre os empresários Yongfeng Gao e Zhan Yongqiao ocorreu “no âmbito duma parceria reciprocamente vantajosa”, que permitiu as partes determinarem “as suas vontades convergentes no negócio”, no qual, “mediante acordo, um cederia as infra-estruturas existentes da sua firma para receber do outro um investimento num montante específico que não se concretizou”.

Incumprimento por parte do queixoso

Os juízes concluíram também que o incumprimento de investimento de USD 10 000 000,00 (dez milhões de dólares norte-americanos), por parte do empresário Zhan Yongqiao, deu origem à ruptura da relação entre ambos, sem que, no entanto, tivesse havido “qualquer ardil ou qualquer intenção criminosa” por parte do empresário Cowboy, já que ambos  protegeram sempre os seus interesses, “não se consumando assim o crime de burla, por falta do elemento dolo”.

“Não tendo ficado demonstrado a intenção de enganar, de manter ou induzir em erro, portanto, o dolo, é de sufragar a tese da irresponsabilidade criminal apresentada na fundamentação do recurso pelo recorrente, que alegou, e com razão, tratar-se de uma questão de natureza cível, indicando de modo preciso a natureza da questão do ponto de vista do Direito Civil ou Comercial, em virtude da realização de um negócio jurídico entre o recorrente e a parte ofendida, mais concretamente uma parceria, nos termos da lei civil”, refere o acórdão, concluindo:

“Posto isto, diremos que, os factos praticados pelo recorrente, não integram efectivamente os elementos objectivos e o tipo subjectivo do crime de burla, conforme entendimento do Tribunal a quo [de onde provém a decisão recorrida], expresso na sua douta sentença, ora impugnada, integrando, por assim dizer, questões de natureza cível por força do princípio da intervenção mínima do Direito Penal”.

Origem do caso

Em 2020, Zhan Yongqiao e Yongfeng Gao firmaram uma parceria comercial que visava a construção de um porto comercial (de transporte e cargas), duas pontes-cais, uma unidade de processamento de pescado e uma doca, no Canal Yapoto, no município do Soyo.

Para a materialização do referido empreendimento, o empresário Zhan Yongqiao comprometeu-se a desembolsar um investimento na ordem dos 10 000 000,00 USD (dez milhões de dólares norte-americanos), ao passo que Cowboy, o mentor do projecto, Cowboy, entraria no negócio com sete milhões de dólares norte-americanos (traduzidos em terreno e equipamentos).

Empresário Zhan Yongqiao, o queixoso

A parceria acabou, no entanto, rompida quando, a 15 de Janeiro de 2021, Zhan Yongqiao tenta, através da Loja dos Registos de Mbanza Kongo, alterar, por meios fraudulentos, e sem o consentimento do titular da empresa, o pacto social da I.M.I Ilundo (SU), Lda., a empresa afecta ao empresário Cowboy.

Razão do fim da parceria 

Ao confrontar-se, primeiro com a tentativa de falsificação do pacto social da sua empresa, em Mbanza Kongo — e depois com a certeza da adulteração fraudulenta da mesma em Luanda, junto do Cartório Notarial do Kilamba Kiaxi — o empresário Yongfeng Gao recorreu ao Serviço de Investigação Criminal (SIC) do Soyo, onde fez uma participação criminal contra o empresário Zhan Yongqiao, que não chegou a obter qualquer resposta das autoridades policiais locais.

No entanto, por ironia do destino e contra todas as expectativas, o empresário Zhan Yongqiao recorre à mesma instituição (SIC-Soyo) e consegue que fossem colocadas em marcha três acções, duas das quais criminais e uma civil, em que o ‘lesado’ é transformado em arguido e o ‘autor’ da falsificação da certidão comercial da empresa I.M.I Ilundo (SU), Lda., passou a ofendido.

E foi com base na segunda acção criminal que o Tribunal da Comarca do Soyo condenou o empresário Yongfeng Gao em Junho deste ano, decisão agora revertida pelo Tribunal da Relação do Uíge.

ISTO É NOTÍCIA

Artigos Relacionados