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Dom Imbamba: “Com qualquer poder instituído, seremos sempre nós. Nunca teremos as nossas consciências à venda”

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Tem sido, nos últimos meses, um “alvo fácil” de vários ataques à sua imagem, protagonizados por políticos do governo e até de figuras com responsabilidades nas forças de defesa e segurança do país. Em causa está um posicionamento crítico da Igreja Católica, que o presidente da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST), Dom José Manuel Imbamba, considera ter feito sempre parte da postura da Igreja nos mais variados contextos sociopolíticos, económicos e culturais do país. O sacerdote — que é também o arcebispo de Saurimo —, reitera, neste exclusivo ao !STO É NOTÍCIA, a missão da Igreja em Angola e no mundo, defendendo, com firmeza e vigor, que ela não pode ficar indiferente perante os vários  atropelos a que se assistem no país, nem se deixar ficar à margem ante o sofrimento, a injustiça, a violação dos direitos humanos e a opressão.

Há uma questão que é bastante actual, que tem que ver com a laicidade do Estado, e ela é decorrente de um posicionamento que tem sido bastante incisivo da Igreja Católica em relação a um conjunto de fenómenos sociopolíticos. O que é que efectivamente está a ocorrer com a Igreja Católica em relação ao seu posicionamento actual?

Antes de mais, é preciso termos em conta a identidade e a missão da Igreja. Tudo parte dos conceitos. O que é a igreja e qual é a missão da Igreja no mundo. Partindo desses conceitos, depois podemos perceber o resto. Percorrendo a história, nós vamos encontrar várias leituras à volta disso. Desde que Jesus Cristo começou a percorrer as terras da Palestina, teve sempre esta confrontação com as autoridades estabelecidas; romanas, judaicas e religiosas, porque a sua doutrina era uma novidade. Era uma doutrina que tinha uma visão da pessoa, uma visão da sociedade, uma visão da cultura, uma visão da religião, que contrariava todos os outros preceitos que então existiam. [Jesus Cristo] morreu, a história da Igreja foi caminhando; surgiu o Império Romano, que combateu fortemente a Igreja até que, a dado momento, houve essa reviravolta. Com o imperador Constantino houve esta paz, entre o Império e a Igreja, mas à custa de muito sangue dos mártires. Exactamente, é a partir daí onde se começa a ver o que é a Igreja e qual a sua missão. De lá para cá, surgiu o chamado ‘cesaro-papismo’, ou seja, a Igreja teve um poder absoluto sobre o poder temporal. Eram os Papas que impunham as coroas sobre as cabeças dos reis. Portanto, havia uma sujeição do poder político ao poder religioso. E isto foi andando até praticamente à Revolução Francesa. Portanto, é a Revolução Francesa que dá esta reviravolta e o conceito de laicidade começa a nascer daí. Havia a necessidade de haver a separação entre o poder temporal e o poder religioso. E a laicidade nasce a partir daí. Só que a laicidade, à maneira da Revolução Francesa, era mesmo rejeição: o que é da Igreja é da Igreja, e o que é do Estado é do Estado. Mas, com o andar do tempo, veio, em 1965, o Concílio Vaticano II. Este concílio cria estas balizas, considerando [a Igreja] autoridades legítimas, embora colaboradoras, mas autónomas. Ou seja, entre a Igreja e o Estado não há esta dicotomia, não há esta divisão de barreiras, para dizer até aqui você não entra, até aqui aquele outro não entra…

Ou seja, a linha ténue, é uma linha ténue?

É uma linha ténue que se encontra no mesmo sujeito, que é a pessoa humana. O Estado trabalha para quem? Para o bem da pessoa. A Igreja trabalha para quem? Para o bem da pessoa. Este encontro na pessoa exige o quê? Exige diálogo, exige colaboração, exige respeito, exige um caminhar juntos, não como linhas paralelas, mas como linhas confluentes, porque todos querem o bem do mesmo sujeito.

Haveria de concordar connosco — embora ainda esteja a responder à nossa questão, este é só um parênteses que abrimos — que esta linha ténue, conforme foi colocada, ela torna-se menos ou mais visível quando é a Igreja a fazer uma leitura sobre alguma actuação do Estado ou do governo neste caso?

Claro, e é aí aonde estou a chegar, estou a caminhar para lá. A Igreja é uma realidade histórica que está no mundo, porque antes, também, alguns filósofos pensavam que a Igreja fosse uma realidade atemporal, uma realidade a-histórica, uma realidade que está acima da sociedade. Não. A Igreja está no mundo e a Igreja está ao serviço da pessoa concreta. Está ao serviço dessa pessoa que está a fazer a sua história social, a sua história política, a sua história económica, a sua história religiosa, a sua história no tempo. Então, é esta pessoa que a Igreja deve iluminar, a luz é esta. O ser sal, o ser fermento, o ser luz é este caminho. A Igreja deve apontar o caminho para que esta pessoa viva bem o seu ser pessoa, o seu ser cidadão, o seu ser filho de Deus.

A questão da consciência política também se pode colocar?

Claro. Tudo isto, porque ele é um ser social. Ele está na sociedade, ele vive com os outros. E viver com os outros quer dizer o quê? Quer dizer aceitar o outro assim como ele é. E há balizas. E quem coloca essas balizas? Os conceitos próprios… os conceitos de dignidade humana, os conceitos de pessoa, os conceitos de consciência, quem é que os introduziu? É a Igreja. Exactamente para poder ajudar as pessoas a ganharem esta consciência de missão, de serviço. E a Igreja está na política, está na cidade, está na pessoa. A Igreja deve iluminar a própria política, a Igreja deve ajudar a que aqueles que fazem a política a façam segundo o bem que se quer para as pessoas. Portanto, quando há atropelos, é óbvio, a Igreja não pode ficar indiferente. A Igreja não pode passar à margem perante o sofrimento, perante a injustiça, perante a violação dos direitos humanos, perante a opressão, perante aquelas situações que não ajudam a pessoa a ser ela mesma.

 

“Nós não estamos ao serviço de qualquer partido político, nós não estamos ao serviço de quaisquer interesses políticos. Nós estamos ao serviço da nação, ao serviço da pessoa humana, ao serviço do bem, ao serviço da verdade, ao serviço da justiça, da paz e da reconciliação”

 

E esta percepção que se tem agora de que a Igreja Católica esteja a redefinir o seu posicionamento em Angola em relação ao poder político instituído, é derivada de quê exactamente?

Isto nós queremos perceber, porque a Igreja foi sempre ela mesma. A Igreja caminha. A mensagem de Cristo é a mesma, só se adaptam nos contextos culturais.

Mas, politicamente, a impressão que dá é de que ela está mais interventiva agora do que esteve, por exemplo, em relação à altura em que o Presidente José Eduardo dos Santos estava ainda no poder.

Isto é mentira. Basta ver as nossas Cartas Pastorais. As nossas Cartas Pastorais estão publicadas em livros. Portanto, desde 1974 a 1997, há um livro onde estão todos os documentos. De 1997 a 2017 — até este último eu é quem trabalhou nele — está lá todo o nosso posicionamento. A última carta que nós publicámos em Ndalatando, o que vimos e ouvimos, foi na vigência de quem? Não era do Zé Eduardo? O que é que está lá plasmado? Não são as mesmas denúncias que fazemos hoje? É só questão de irem à CEAST [Conferência Episcopal de Angola e São Tomé] e comprarem esses documentos, estão lá em livros. Nas [livrarias] Paulinas também estão lá. Estão lá todos os nossos posicionamentos em relação à política. Nós não estamos ao serviço de qualquer partido político, nós não estamos ao serviço de quaisquer interesses políticos. Nós estamos ao serviço da nação, ao serviço da pessoa humana, ao serviço do bem, ao serviço da verdade, ao serviço da justiça, da paz e da reconciliação.

Ainda que esta verdade doa e incomode o poder político?

Sem dúvidas, sem dúvidas, porque o nosso posicionamento é mesmo este. Nós somos uma mediação. Nós não podemos tomar posições por A e por B. Não é nossa missão. Nós apresentamos os valores, nós apresentamos aquele ideal de vida em comunidade, que todos nós deveríamos abraçar. E é este o nosso trabalho, e é aí onde as pessoas, talvez, por má-fé…  porque é preciso termos em conta que, hoje por hoje, estamos numa cultura de intriga muito forte e muito feia. Estamos numa cultura de difamação muito forte e muito feia… E, é claro, a alguns não convém que a Igreja assuma este protagonismo que tem. E nós, com qualquer poder instituído, seremos sempre nós. Nós nunca teremos as nossas consciências à venda. A nossa voz sempre foi profética. No tempo de A ou de B o nosso ser profetas nunca se alterará.

Ou seja, o que nos está a tentar dizer, senhor arcebispo, é que se há algum posicionamento incómodo não parte necessariamente da Igreja Católica, não é da Igreja Católica?

Não, não. Nós assumimos os nossos posicionamentos, e são claros. São escritos e são apresentados. Portanto, os nossos posicionamentos estão nas Cartas Pastorais. É a nossa maneira de nos exprimirmos. Como digo, este nosso histórico está todo ele publicado. Se for a esses documentos, vai ver o que nós dissemos sobre a economia, sobre a política, sobre a vida em sociedade, sobre o bem comum, sobre o patriotismo, sobre Angola, vai encontrar todos esses nossos pronunciamentos. Nós sempre denunciámos o mal, denunciámos a injustiça, denunciámos a violação dos direitos humanos e apontámos o caminho a seguir para aquela Angola que todos nós sonhamos. Há um outro documento emblemático que nós temos, sobre os 40 anos de independência de Angola, também vai encontrar muitas coisas lá. Portanto, há vários documentos que marcam o nosso posicionamento, a leitura que nós fazemos sobre a Angola que temos e a Angola que desejamos ter. E isto é um caminho que todos nós temos de fazer em conjunto. Agora, o que se passa? É que muitos não queremos pensar. Ou seja, não queremos respeitar o pensamento alheio. Queremos criar conformidades, queremos criar uma realidade uniformizada para todos. Não queremos ter consciências críticas, não queremos ter consciências valorativas, não queremos ter consciências que nos ajudem a perceber a realidade assim como ela é, e que cada um de nós se assuma como protagonista na construção da sociedade que todos nós queremos para todos. E este é um trabalho que ainda temos que fazer.

 

“Falar de Angola como um país para todos, falar do patriotismo, falar da paz, falar da dignidade humana, falar do respeito pela vida, falar do convívio salutar, isto é ser oposição? Que valores é que nós estamos a defender?”

 

A Igreja não se incomoda quando é acusada de estar ao serviço, por exemplo — como se vai ouvindo nestes últimos tempos —, de estar ao serviço da oposição política em Angola, pelo facto do seu posicionamento, coincidentemente, estar muito perto do posicionamento defendido pelos partidos na oposição?

Nós não nos incomodamos porque nós servimos aquilo que nós achamos que é bem. Agora, aquilo que nós achamos que é bem se se aproxima à oposição ou ao outro partido, os partidos é que devem avaliar que bem é que estão a defender afinal! Nós apresentamos o nosso caminho intermédio, que nós consideramos que é o caminho do bem, que é o caminho do desenvolvimento, é o caminho do progresso, é o caminho do patriotismo. Nós apresentando estes caminhos e se alguém se identifica que este é o caminho real que nós devemos percorrer, é porque estamos aí. Agora, o exame de consciência deve partir de quem acha que aquele caminho não é o mais certo, por exemplo. Portanto, falar de Angola como um país para todos, falar do patriotismo, falar da paz, falar da dignidade humana, falar do respeito pela vida, falar do convívio salutar, isto é ser oposição? Que valores é que nós estamos a defender?

Coincidência ou não, quando é a Igreja Católica [a criticar estas questões] … nestes últimos tempos, foi criticada por algumas entidades ligadas ao poder político, vimos o mesmo poder político a chamar a si algumas denominações religiosas para com elas interagir, falar sobre o país e passar uma mensagem de que é necessário pacificar os espíritos em Angola, e a Igreja Católica é deixada de parte. Qual foi o entendimento da CEAST em relação a isso?

A Igreja Católica não foi deixada de parte. Nós temos relações boas com o governo. Nós não estamos neste clima que muitos jornalistas ou muitos fazedores de opinião estão a exibir. Portanto, nós não temos problemas com o governo, não temos problemas com o Estado.

Está a dizer que há um certo empolamento por parte de algumas entidades em relação a esta relação com o governo?

Sim, sim, sim. Há, há. E há esta vontade expressa por estas manifestações todas. O falar com as autoridades não é só quando a televisão nos mostra. Há outros canais. Há outros canais de abordagens.

Sim, mas, a ideia com que a sociedade fica — até porque os encontros que ocorreram foram amplamente mediatizados — é a de que foram chamadas algumas denominações religiosas, mas, entretanto, a Igreja Católica ficou de fora…

Não ficou de fora. É a impressão que se deu, também para o momento político. É o momento que nós estamos a viver, mas não é isto.

 

“A Igreja não é cobarde. A Igreja tem o seu caminho. O caminho é a verdade, é a justiça, é o amor. E este caminho é de todos, é comum. Esta missão é nossa”

 

Mas, isto não beliscou a imagem da Igreja Católica?

Não, não. De maneira nenhuma. Como digo, nós continuamos a ser nós mesmos. Vamos continuar a cumprir a nossa a missão e a desempenhar o nosso papel. E os encontros com as instâncias que governam o país acontecerão, têm acontecido, e acontecerão. Portanto, isto não é problema. Se esta foi a vez dos outros, a nossa vez virá. É só questão de tempo. Não é dito que todos devamos ser recebidos ao mesmo tempo. Nós já fomos recebidos sem as outras igrejas terem sido recebidas, porquê que isso não criou impacto?

Quando a gente fala de consciência política, de posicionamento político da Igreja há muita gente que olha para isso quase como um crime de lesa-moral religiosa. A pergunta que gostávamos de colocar é se a Igreja assume esse posicionamento político e se está disposta a correr os riscos todos que isso em si implica, posicionando-se politicamente diante de um conjunto de situações que ocorram no país?

Aí está a importância da Igreja, porque a Igreja não é cobarde. A Igreja tem o seu caminho. O caminho é a verdade, é a justiça, é o amor. E este caminho é de todos, é comum. Esta missão é nossa. Querendo ou não, eu já disse há bocado, qualquer poder, legalmente instituído, que houver no nosso país, a Igreja vai continuar o seu caminho de anúncio e de denúncia. E esta é a nossa missão, é o nosso trabalho. Agora, que isso sejam posicionamentos políticos, isto são interpretações que a própria comunidade é livre de fazer.

Mas, a Igreja não encara isso como parte da sua missão, do seu objecto de intervenção social, e assim intervindo, porque se trata de questões que têm que ver com a governação, naturalmente, têm sempre uma implicação política?

Quem são os nossos governantes? Não são filhos da Igreja? Não devem ser alimentados pela palavra? Porque anunciar o evangelho é o que é, em outros termos? Não é libertar o homem do pecado? E o pecado é o que é? Não é esta condição, não é este mundo, quando mal construído? Quando construído sobre bases que não ajudam a dignificação da pessoa? Quando edificado sobre bases que não ajudam a que a pessoa se desenvolva harmoniosamente? Quando edificado sobre bases em que a chamada estrutura da iniquidade está aí? A Igreja aí não pode ficar calada. Não pode assobiar de lado para dizer que está tudo bem. Não. Se há um posicionamento a tomar, é a favor exactamente da dignidade, é a favor da paz, é a favor do bem comum; é favor daquelas condições que são para o bem de todos. E são esses os nossos posicionamentos, e nunca para satisfazer os interesses partidários daquele ou daqueloutro… não, não. É simplesmente para satisfazer as necessidades da pessoa humana, amada por Deus, que deve se sentir livre para poder crescer na santidade e usufruir dos bens que a própria a sociedade e a natureza lhe dá.

 

“O nosso maior erro é termos dado maior incidência à militância partidária do que à cidadania. E estes erros depois fazem com que vejamos todo o mundo com estas rotulações partidárias”

 

Quando diz que a Igreja não é cobarde, quer que se faça esta interpretação no sentido estrito do termo?

Não é cobarde no sentido que a Igreja é fiel a Cristo.

Não era nesse sentido que estávamos a colocar. A questão era se a Igreja não é cobarde no estrito sentido do termo, ou seja, cobardia no sentido de falta de coragem, de assumir a sua postura… ou está a pretender passar a ideia de que podem fazer a crítica que quiserem fazer, mas nós Igreja não nos vamos render e não vamos ceder a nada que sejam actos de intimidação, por exemplo?

É tudo isto. É um termo polivalente que engloba tudo isto. Eu pessoalmente, com isto, quero dizer que nós estamos prontos para sermos fiéis à nossa missão, que é esta missão que Jesus Cristo nos incumbe, a missão de evangelho, de anunciar e de ajudar a libertação e a salvação de todas as pessoas, para que, verdadeiramente, a Igreja não seja um instrumento de manipulação; a Igreja não seja um instrumento à mercê das maquinações dos partidos políticos; a Igreja não seja, digamos assim, uma marionete que está aí para estar ao serviço dos interesses estranhos à sua identidade. Não. A Igreja é esta instituição humana que está no mundo ao serviço das pessoas humanas. Estas pessoas, historicamente, enraizadas no seu meio; meio esse que deve ser evangelizado, para que todos atinjamos o quê? A plenitude do amor, a plenitude da perfeição. E este é o escopo para o qual todos nós trabalhamos.

 

“Eu como bispo, não posso exibir a bandeira do partido A ou do partido B, porque todos os meus cristãos devem se rever em mim. É por isso que eu não posso ser um instrumento do partido A ou do partido B. Eu devo estar equidistante”

 

Já tivemos, num passado bem recente, algumas pessoas, ligadas à Igreja Católica, que sempre que fizessem alguma intervenção pública dava a ideia de que as suas intervenções eram sempre a favor do governo e até, às vezes, actuavam como porta-vozes do governo…

A tentação é esta. É que a nossa política, infelizmente, é uma política muito egoísta. É uma política muito separatista, é muito fechada nos grupos. Não é uma política aberta para o bem de todos. Não é uma política que quer salvaguardar, diga,os assim, o bem comum. Tenho dito muitas vezes que o nosso maior erro é termos dado maior incidência à militância partidária do que à cidadania. E estes erros depois fazem com que vejamos todo o mundo com estas rotulações partidárias. Neste caso concreto da manipulação, sim, houve casos de manipulação e nós CEAST, lembro-me — eu ainda era porta-voz da Conferência [Episcopal] — saímos a público a dizer que todos nós enquanto sacerdotes, enquanto bispos, enquanto pessoas consagradas, o direito canónico proibi-nos de ter participação activa na militância partidária. Eu como bispo, não posso exibir a bandeira do partido A ou do partido B, porque todos os meus cristãos devem se rever em mim. É por isso que eu não posso ser um instrumento do partido A ou do partido B. Eu devo estar equidistante, para que a minha comunidade, todos os partidos presentes nela, se sintam bem comigo, e esta é a nossa missão. E é por isso que este nosso posicionamento às vezes cria esses embaraços. Muitos me dizem: “Dom Imbamba é da UNITA, Dom Imbamba é do MPLA, do Imbamba é do PRS, Dom Imbamba agora é do Protectorado Lunda-Tchokwe”. Isso tudo revela o quê? Revela que querem procurar encontrar quem é o Dom Imbamba, onde é que está o Dom Imbamba, com quem anda o Dom Imbamba. É normal que assim seja, exactamente por causa dos posicionamentos, dos pronunciamentos e da maneira como eu encaro a própria realidade, a maneira como eu exponho as minhas ideias. Isto é óbvio. Agora, o ser apanhado Dom Imbamba para estar ao serviço de… isto já não. O meu direito canónico me proíbe. E este é o posicionamento da Igreja Católica. E é esta é a nossa mensagem. Mesmo na última mensagem que fizemos sair em Benguela está lá claro: estão a vir as eleições, nós enquanto pastores, enquanto sacerdotes, temos que nos abster de todas as manifestações político-partidárias.

O que está a dizer é que a Igreja Católica não vai admitir que sacerdotes seus tenham, digamos, uma acção político-partidária?

Não. Isto é proibido. O próprio direito canónico proíbe.

Mas proibia também num passado recente…

E proibimos. Sim. Agora, há questões de consciência. Aí já não podemos penetrar. A consciência pessoal…

Mas, vincula… de qual das formas vincula… tratando-se de um sacerdote vinculado à Igreja Católica…

É vinculado à Igreja Católica, mas não é o posicionamento oficial da Igreja Católica. Aquele é um acto da sua própria inteira responsabilidade…

…daí a proibição e a actuação de maior escrutínio agora?

Exactamente, porque também há consequências. Um sacerdote que caia nisto, normalmente, o seu bispo deve chamá-lo e dizer: “Olha, isto não”. Havendo reincidência, o direito canónico também tem as suas penas. Isto é óbvio. Mas, agora, cada sacerdote também é dono da sua consciência, é dono da sua inteligência. Há sacerdotes que pedem licença aos seus bispos para fazerem política activa, é normal. Mas isso tudo tem que estar claro.

Uma pergunta tipicamente jornalística: a Igreja Católica não responde a insultos porquê? Referimo-nos a uma situação, que aliás foi pública, envolvendo uma certa entidade ligado à Polícia Nacional, a vir a público, quase que em outros termos, a dizer à Igreja Católica para se calar… para não ter que dizer coisa pior…

[Risos] Não é nosso dever responder a isso. A própria sabedoria humana, às vezes, é muito clara nisto. O silêncio às vezes é a melhor resposta para se dar a determinadas provocações e a determinados pronunciamentos, porque há pronunciamentos e posicionamentos que levam a um nível muito baixo. E nós não quereremos navegar nesses níveis. A elevação nossa é mesmo para o alto, e o nosso coração é virado para o alto, e é para lá, é para a dignidade, para a honra, é para o respeito, é para a polidez no falar e em tudo aquilo que são as nossas obras nobres.

Eleições é um tema que interessa a Igreja Católica?

Interessa a todos nós. Interessa à Igreja Católica, interessa a todo o cidadão. E é por isso que fizemos sair um documento em Benguela sobre as eleições. Aliás, sempre que há eleições, nós Conferência [Episcopal] fazemos sair sempre um documento onde manifestamos o nosso ponto de vista sobre este grande acontecimento, que deve ser um convívio de cidadãos, que deve ser um convívio de irmãos, com vista a este serviço que alguns dos nossos concidadãos deverão prestar aos outros.

A Igreja vai ser parte deste processo como observadora?

Sempre fomos e sempre seremos através da Comissão da Justiça e Paz.

Desta vez, em particular, há alguma estratégia diferente que pretendam utilizar? Porque há um clima muito grande de suspeição em relação a eventuais acções de fraude eleitoral, e, até, olha-se para a observação eleitoral como a grande boia de salvação de todo o processo. Como é que a Igreja se vai posicionar em relação a esta questão da fraude eleitoral?

Eu não quero me pronunciar sobre isto, porque a nossa Comissão está a trabalhar. É verdade que o ambiente hoje em Angola está muito tenso, e é preciso nós vivermos as eleições não como um problema, mas vivermos como uma oportunidade que temos para cimentarmos melhor o nosso patriotismo e a nossa convivência cívica. E é este o nosso papel. Ao invés de estarmos a criar uma cultura de suspeições, uma cultura de desconfiança, uma cultura de medo, uma cultura de incerteza e de insegurança — e é o apelo que deixaria para os nossos políticos — é preciso que criemos um ambiente de segurança, um ambiente de distensão psicológica, humana e social. Um ambiente em que o cidadão sinta a alegria de participar deste pleito; sinta o prazer de dizer: “Sim, senhor, eu estou a me sentir um angolano, estou a me sentir um cidadão e estou a participar para a construção do meu país”. E é isto que nós queremos.

E se este clima de suspeição for aumentando de tom, e se, ao nível dos partidos políticos, houver, digamos, um avolumar dos pronunciamentos que incentivam esta suspeição, esta desconfiança do processo, a Igreja estaria disposta a intervir de maneira regular, de modo a que se possa manter algum equilíbrio a nível da sociedade, para se celebrar este acontecimento exactamente como uma festa?

A Igreja existe também para isso. Já tem feito isto nos pleitos anteriores, e neste também, caso for necessário, fará. Por isso, a nossa predisposição é mesmo para isto. É para criarmos harmonia, para criarmos a serenidade, para criarmos a paz interior, para criarmos esta confiança mútua, que é importante para podermos caminhar e construirmos o país que todos nós pretendemos.

Para terminar: a fé em Angola mais se apegou ou se apagou?

A fé em Angola está em caminho. A fé em Angola está a crescer, a fé em Angola está a criar os seus frutos, embora o trabalho ainda seja grande. É por isso que nós como CEAST, como estratégia, adoptámos este caminho de criamos mais dioceses para dinamizarmos exactamente a nossa pastoral, para que a nossa máquina pastoral não seja muito pesada. As nossas dioceses são muito grandes. A diocese do Luena, a diocese de Menongue, a diocese do Dundo, a diocese do Lubango, são dioceses enormíssimas para uma pessoa. Então, esta dinâmica de multiplicarmos dioceses também é mesmo para galvanizarmos a fé, empolgarmos a fé, fazer com que a fé seja incisiva na vida das pessoas e crie estas conversões autênticas que nós pretendemos para que dos bons cristãos nasçam bons cidadãos e bons servidores no poder político e bons servidores da pátria.

 

 

*Esta entrevista foi realizada à margem de uma outra efetuada pela Associação Justiça Paz e Democracia (AJPD), em Saurimo, na Lunda-Sul, no âmbito de um estudo sobre a Indústria Extractiva e Direitos Humanos nas zonas de exploração diamantífera. O trabalho de pesquisa, do qual tomou parte o !STO É NOTÍCIA, tem como foco “O Género e Acesso das Mulheres à Indústria Extractiva e à Exploração Artesanal de Diamantes”, nas Lundas Norte e Sul, e conta com o financiamento da Brot Fur Die Welt (Pão Para o Mundo), organização religiosa alemã.

Nok Nogueira

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